Por Rod Nickel e Rajesh Kumar Singh e Ana Mano
WINNIPEG/CHICAGO/SÃO PAULO (Reuters) – Assim que os surtos de coronavírus entre trabalhadores fecharam diversas unidades de processamento de carnes no Canadá, Henry Mizrahi passou a ver um novo futuro para a Lesters Foods, fábrica de salsichas para cachorros-quentes que ele comanda em Montreal.
Mizrahi faz planos para instalar um braço robótico capaz de mover pacotes para embarques em grandes contêineres, permitindo que os trabalhadores mantivessem uma distância maior entre eles. A Lesters, uma pequena empresa privada, está investindo milhões de dólares em um projeto de cinco anos para ampliar a automação.
“A maneira com que elaboramos as plantas funcionou até agora –mas agora, precisamos fazer mudanças dramáticas”, disse Mizrahi, presidente da empresa, que existe há 89 anos e também é reconhecida por sua carne defumada.
Os Estados Unidos, o Canadá e o Brasil, todos grandes produtores e exportadores de carnes, adotaram tecnologias em ritmo mais lento que locais como o Norte da Europa ou o Japão, ficando atrás de outras indústrias na automatização das operações. A concentração de surtos de Covid-19 nos frigoríficos das Américas reflete, em parte, a grande dependência do setor nas condições de trabalho “ombro a ombro”.
Acelerar as mudanças rumo à automação pode resultar no aumento da segurança alimentícia e da segurança nas fábricas. Mas planos como esse são acompanhados por custos que alguns consideram impagáveis durante períodos econômicos difíceis, e os trabalhadores temem que estejam sendo substituídos –não protegidos.
Tyson Foods, Smithfield Foods, JBS e diversas outras grandes empresas do ramo têm planos de automação em andamento, segundo representantes das companhias.
As unidades de processamento de carnes representam apenas 1 bilhão de dólares das vendas anuais globais de serviços de automação, segundo a distribuidora Cantrell Gainco, uma pequena fatia dos cerca de 215 bilhões de dólares movimentados nos negócios de automação industrial. Mas o interesse dos frigoríficos norte-americanos está aumentando.
Desde que a pandemia se espalhou pela América do Norte, a Cantrell Gainco, que está sediada no Estado da Georgia e vende produtos de desossa de frangos da fabricante japonesa Mayekawa, recebeu o dobro de consultas em relação aos níveis normais, disse Russ Stroner, vice-presidente global de vendas.
Em comunicado, a Mayekawa afirmou que as vendas globais de suas partes de robô que desossam frangos devem avançar de 32 milhões de dólares em 2019 para 45 milhões de dólares em 2021, incluindo comercializações para as norte-americanas Tyson, Sanderson Farms e Peco Foods.
BRASIL
No Brasil, a Frimesa, quarta maior processadora de carne suína do país, intensificou seus esforços de automação em meio ao avanço da pandemia.
Os planos apontavam para investimentos de 20 milhões de reais por ano em automação, mas agora o programa pode receber um aumento anual de 5% –e sem a inclusão compras únicas de equipamentos caros, como robôs, disse Claudecir dos Santos, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa.
A fábrica da Frimesa em Assis Chateaubriand, em construção no Paraná, terá cinco robôs, que custam cerca de 500 mil euros (586 mil dólares) cada. Eles vão realizar tarefas como a abertura dos peitos dos animais, que são cortados ao meio.
A Olymel, uma das maiores empresas de carnes de frango e porco do Canadá, já possuía um plano para automação antes de a pandemia forçar o fechamento de uma planta em Quebec por mais de duas semanas.
Desde então, a companhia decidiu acelerar o projeto, e deseja utilizar robôs para classificar cortes de carnes, empacotar carregamentos e empilhar caixas, de acordo com o vice-presidente de Engenharia e Projetos, Marco Dufresne.
A Tyson, maior vendedora de carnes dos EUA, está aumentando seus esforços de automação por causa da pandemia, afirmou o diretor de Engenharia Doug Foreman.
“Há um senso de urgência, sem dúvida”, disse ele.
Neste verão (do Hemisfério Norte), a Tyson testou em seu centro de automação no Arkansas um robô que utiliza a visão mecânica para transportar peitos de frango de uma esteira para as embalagens em bandeja que são vendidas nos mercados.
Com o aumento da demanda no varejo, a Pilgrim’s Pride, na qual a JBS detém fatia majoritária, disse em julho que vai fazer uso da automação para dobrar a capacidade de uma unidade Minnesota para a produção de carne de frango vendida em bandejas. A fábrica sofreu um surto de Covid-19 em abril.
“Os surtos de coronavírus vão colocar um ‘tempero extra’ na necessidade de automação, porque quanto menos gente você tem, menor a probabilidade de que você sofra com um desses surtos”, afirmou Henrik Andersen, diretor Comercial da dinamarquesa Frontmatec, produtora de equipamentos de automação para a indústria alimentícia.
A demanda das empresas norte-americanas tem sido particularmente forte, disse Andersen.
O aumento da automação, porém, levanta a suspeita de grupos de trabalhadores.
“Isso está tirando os trabalhos das pessoas”, disse BJ Motley, presidente da divisão do United Food and Commercial Workers (UFCW, na sigla em inglês) que representa funcionários da Smithfield em Sioux Falls, no Estado norte-americano da Dakota do Sul, onde mais de mil trabalhadores contraíram o coronavírus.
A Smithfield automatizou o trabalho de dividir suínos na fábrica há alguns anos, eliminando oito vagas, segundo Motley.
Um representante da Smithfield declinou de responder os comentários de Motley.
Enquanto isso, a JBS USA utiliza a ameaça de substituir os trabalhadores por equipamentos automáticos como uma tática de negociação, disse Kim Cordova, presidente da divisão local do UFCW que representa empregados da fábrica da JBS em Greeley, no Colorado.
“Somos ameaçados com a automação o tempo todo, tipo ‘se você falar, nós vamos só usar automação'”, afirmou Cordova.
Um porta-voz da JBS disse que a alegação é “completamente mentirosa”.
Embora o surto de vírus tenha ressaltado as vantagens da automação, suas consequências econômicas, por outro lado, limitaram o escopo para grandes investimentos em tecnologia.
Frigoríficos fizeram pedidos de equipamentos de até 400 mil dólares à Cantrell Gainco, mas colocaram em compasso de espera projetos mais caros, diante das incertezas sobre como a pandemia afetará o fluxo de caixa e a demanda dos consumidores, afirmou Russ Stroner.
Mas voltando ao Canadá, Mizrahi, da Lesters Foods, tem certeza de que a automação vale a pena.
“Quando começamos a ver isso afetar outras fábricas, percebi o quão trágico era o impacto à saúde humana… A pandemia certamente acelerou nossa estratégica de planejar mais equipamentos robóticos”, disse.
(Reportagem de Rod Nickel em Winnipeg, Rajesh Kumar Singh e Tom Polansek em Chicago, Ana Mano em São Paulo, Nigel Hunt em Londres, Dominique Patton em Pequim e Yuka Obayashi em Tóquio)