Em duas derrotas para o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem proibir cortes no programa Bolsa Família durante a pandemia do novo coronavírus e obrigou o governo federal a adotar uma série de medidas para conter o avanço da covid-19 entre os povos indígenas. Nos dois casos, os ministros foram unânimes ao votar contra a gestão de Jair Bolsonaro, demonstrando uma unidade incomum na Corte.
No julgamento sobre o programa de assistência social, foram necessários apenas quatro minutos para que os nove magistrados que participaram da sessão de ontem chegassem ao veredicto. Cármen Lúcia e Celso de Mello estavam ausentes.
Entre as ações na área da Saúde impostas pelo STF ao governo estão a elaboração de um plano de enfrentamento voltado aos povos indígenas, a formação de políticas para criar barreiras sanitárias e a contenção e o isolamento de invasores em terras indígenas, além da instalação de uma sala de situação para a gestão de ações de combate à pandemia. A Corte também determinou que todos os indígenas em aldeias tenham acesso ao sistema público de saúde.
Bolsonaro já foi alvo de cinco representações no Tribunal Penal Internacional (TPI) por causa da condução da pandemia. Na mais recente, protocolada no mês passado, sindicatos de profissionais da Saúde alegam que a omissão do governo diante da crise da covid-19 caracteriza crime contra a humanidade.
As medidas determinadas ontem pelo plenário do STF já haviam sido estabelecidas no mês passado, por ordem do ministro Luís Roberto Barroso.
A decisão liminar (provisória) foi dada pouco depois de Bolsonaro vetar trechos de uma lei que obrigava o governo a garantir acesso à água potável e a distribuir gratuitamente materiais de higiene e limpeza aos povos indígenas. Na ocasião, a justificativa do presidente para o veto foi a de que as medidas criavam despesa obrigatória ao poder público, sem apresentar o impacto orçamentário.
“A resposta estatal deve estar à altura desse desafio. A política pública, de certa forma, já está criada, mas não está implementada ou funcionando adequadamente”, disse o ministro Gilmar Mendes, em um voto com críticas mais comedidas à atuação do governo federal.
No mês passado, Gilmar acusou o Exército de se associar a um “genocídio” ao se referir à crise sanitária instalada no País em meio à pandemia do novo coronavírus, agravada pela falta de um titular no Ministério da Saúde. O general Eduardo Pazuello está no comando interino da pasta há mais de 80 dias.
As declarações do ministro do Supremo levaram o Ministério da Defesa a acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR), com base na Lei de Segurança Nacional.
‘Satisfação’
A ação analisada pelo plenário do Supremo foi apresentada pela ONG Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, além de seis partidos políticos da oposição: PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT. De acordo com a ONG, haviam sido confirmados até ontem 22.325 casos e 633 óbitos por covid-19 entre os povos indígenas do Brasil.
“É a hora de nós avaliarmos com precisão o que está ocorrendo efetivamente, darmos uma satisfação para a sociedade brasileira e para comunidade internacional”, disse o ministro Ricardo Lewandowski.
“A remoção dos invasores das terras indígenas é medida imperativa, imprescindível e é dever da União. É inaceitável a inação do governo federal não de um específico, de qualquer um e talvez de todos até aqui em alguma medida, é inaceitável a inação em relação a invasões em terras indígena”, afirmou Barroso na sessão de segunda-feira passada, quando o caso começou a ser analisado no plenário da Corte.
Estado de calamidade
No caso do julgamento relâmpago sobre o Bolsa Família, o plenário decidiu confirmar uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, que, em março, havia determinado a suspensão de cortes no programa assistencial enquanto estiver em vigor o estado de calamidade pública provocado pela pandemia.
A ação foi movida por sete Estados: Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. Segundo os governadores, em março, foram cortadas mais de 158 mil bolsas do programa – 61% delas apenas no Nordeste.
Por determinação do STF, quando a situação estiver normalizada, a liberação de recursos para novos inscritos no programa deverá ocorrer de forma unânime entre os Estados, sem que haja discriminação.
Procurados, o Palácio do Planalto e a Advocacia-Geral da União (AGU) não se manifestaram sobre as decisões do STF até a conclusão desta edição.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.