O Itamaraty desmobilizou a frente diplomática brasileira que usava a preservação ambiental como trunfo para atrair recursos e influenciar decisões em fóruns econômicos internacionais. Numa sequência de mudanças políticas, o governo Jair Bolsonaro desistiu de sediar a Conferência do Clima (COP) 25, no ano passado, e rebaixou o tema na estrutura interna do Itamaraty. Agora, é alvo de ameaças de perda de investimentos externos e bloqueio a exportações, além da desconfiança de seu real empenho em levar adiante negociações preservacionistas.
Logo ao assumir o cargo, o chanceler Ernesto Araújo promoveu o que chamou de “agenda de luta contra o ambientalismo ideológico”. Reduziu a equipe dedicada a temas ambientais e rebaixou a chefia do setor na estrutura do ministério. A antiga Subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia foi extinta.
O órgão tinha um Departamento de Sustentabilidade Ambiental e quatro divisões dedicadas a Mudança do Clima, Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Mar, Antártida e Espaço. Ao todo, eram 10 diplomatas em cargos de confiança. No lugar, Araújo criou o Departamento de Meio Ambiente, sem o mesmo poder. Agora são seis diplomatas em funções comissionadas.
Além da mudança organizacional no Itamaraty, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, trocou em março um nome com experiência diplomática em organismos das Nações Unidas, Roberto Castelo Branco, pelo ruralista Eduardo Lunardelli Novaes, no posto de secretário das Relações Internacionais da pasta. A diretoria que cuida de Temas Globais e Organismos Multilaterais segue vaga.
Sem o poder econômico de países como Estados Unidos e China, o Brasil fazia do fato de concentrar a maior biodiversidade do mundo, com 20% da fauna e flora, uma arma de seu soft power (termo usado para descrever a capacidade de um país de influenciar os outros por meio de cultura ou ideologia). Liderava negociações multilaterais e formulava mecanismos para atrair verbas de países desenvolvidos – parte do dinheiro de livre alocação.
A delegação brasileira era consultada e seguida nas principais decisões globais por países em desenvolvimento, como vizinhos sul-americanos e nações africanas. A perda desse poderio ocorre em paralelo à alta no desmatamento, considerado no exterior como principal problema ambiental brasileiro.
A mudança na estrutura do Itamaraty é criticada pelo embaixador Everton Vieira Vargas. Em 43 anos de carreira, Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira. Teve participação direta nas tratativas para sediar a ECO-92, conferência histórica que ajudou a colocar o Brasil entre os protagonistas das discussões ambientais, no momento em que o País era pressionado pelo assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988. Foi embaixador em Berlim, Buenos Aires e Bruxelas.
Vargas tinha voltado a Brasília para comandar a Subsecretaria de Meio Ambiente, mas acabou ficando sem função na gestão de Araújo. Foi cedido para assessorar o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que faz oposição a Bolsonaro. “A atual administração do Itamaraty não gosta muito de gente experiente e fiquei a ver navios”, disse o diplomata.
O embaixador aposentado Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, considera que o Brasil sofreu uma “perda total” de protagonismo na arena ambiental. “Até o governo passado, o Brasil era um dos players principais, claro que não no mesmo nível dos Estados Unidos e da China”, afirmou. “O Brasil se anulou internacionalmente, não tem mais nada a dizer.” Procurado, o Itamaraty não se manifestou.
Colômbia
No vácuo deixado pelo Brasil, a Colômbia se movimenta. O segundo país mais biodiverso do mundo assumiu um papel de articulação continental, quando o presidente Iván Duque promoveu um encontro com líderes de países vizinhos em Letícia, principal cidade da amazônia colombiana. Foi no auge das queimadas no Brasil, na Bolívia e no Paraguai.
Com apoio da Alemanha, a Colômbia sediou ainda o Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, e está envolvida na próxima COP 15 de Biodiversidade. Também recebeu US$ 360 milhões de países como Alemanha, Noruega, e Reino Unido – os dois primeiros financiavam o Fundo Amazônia e suspenderam repasses por divergências com Bolsonaro sobre a gestão dos recursos.
Diretor assumiu sem experiência em Meio Ambiente
O diretor do Departamento de Meio Ambiente (DMA) do Itamaraty é Leonardo Cleaver de Athayde, um nome sintonizado com o governo Bolsonaro. Aos 47 anos, Athayde assumiu o DMA em maio de 2019 – o posto estava vago.
Ele não tinha trajetória na área. Vinha de uma temporada de quatro anos em Varsóvia, na Polônia, como ministro conselheiro, onde estudou Filosofia.
Discreto, adotou linguagem incisiva para rebater o que o governo considera uma campanha contra si. “O governo atuará no âmbito desse regime de mudança do clima pautado pelo engajamento crítico, por uma ótica estritamente nacional”, disse, em audiência no Congresso, no ano passado.
Reservadamente, diplomatas dizem que ele vive uma “situação delicada” de gerir o departamento e depender de um diálogo direto com o ministro Ricardo Salles. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.