'Guerra de números' marca a discussão sobre reajuste de custas judiciais no Paraná

Publicado em 8 dez 2021, às 19h49.

Está em debate a proposta de aumento das custas judiciais – os valores cobrados nas varas, quando alguém recorre ao Judiciário. O projeto de lei está sendo analisado pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).

Enquanto o Tribunal de Justiça (TJ) alega que as gratuidades serão mantidas e que apenas alguns serviços devem ser reajustados, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirma que algumas taxas vão subir até 300%, dificultando o acesso ao Judiciário e prejudicando os mais pobres. Já o projeto das taxas extrajudiciais, de aumento da tabela do cartórios, está com a tramitação suspensa e não tem previsão de voltar a ser discutido pelos deputados.

Para tentar convencer sobre a necessidade de apreciar a proposta das custas judiciais ainda em 2021, para que possam começar a valer já no início do ano que vem, o presidente do TJ, José Laurindo de Souza Netto, participou de uma reunião na manhã de terça-feira (7), com cerca de 30 parlamentares.

Ele alega que foi à Alep para explicar a proposta, mas deputados consultados pela reportagem comentaram que a iniciativa foi interpretada como uma estratégia de pressão, uma vez que o usual é que seja enviado apenas um ofício, apresentando dados e argumentos.

A discussão desse projeto de lei é controversa antes mesmo de ser encaminhada aos parlamentares. Tanto a OAB como entidades do setor produtivo, representado pelo G7, já tinham se manifestado declarando a contrariedade.

Quando a proposta chegou a Alep, o presidente da Casa, deputado Ademar Traiano (PSDB), declarou que o momento econômico era incompatível com qualquer proposta de aumento de taxas. Contudo, depois da reunião com José Laurindo Netto, o parlamentar retrocedeu e enviou o projeto para a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).

Em entrevista ao programa Jornal da Manhã, da rádio Jovem Pan, nesta quarta-feira (8), Traiano destacou que o TJ fez um apelo para ser ouvido, mas que não sabe se haverá tempo de votar o projeto antes do fim do ano legislativo. A proposta deve ser apreciada nas comissões internas e só depois poderá ir a plenário.

O relator é o deputado Tiago Amaral (PSB). O deputado Tadeu Veneri (PT), que é da CCJ e pediu vista ao projeto, adiando o debate para a semana que vem, afirma que a proposta pode até atender o parâmetro constitucional, mas seria inapropriado. O teto (valor máximo inicial) subiria 221%, dos atuais R$ 1,9 mil para R$ 5,9 mil.

O líder do governo, deputado Hussein Bakri (PSD), informou que, como não se trata de proposta que impacta o Executivo, vai liberar a bancada para que cada parlamentar vote de acordo com o entendimento pessoal.

Argumentos

Em entrevista ao Grupo RIC, o presidente do TJ, desembargador José Laurindo de Souza Netto, afirmou que foi à Alep explicar o projeto e destacar que a tabela tem itens defasados desde a década de 1970. Também disse que espera que a proposta seja votada e aprovada ainda em 2021, para não ter problemas orçamentários no ano que vem – já que o reforço de caixa seria superior a R$ 100 milhões, algo como 13% do orçamento.

Segundo ele, sem o reajuste o Judiciário estadual não conseguiria cumprir a determinação de estatizar 213 cartórios judiciais, atualmente delegados (ou seja, na esfera privada).

A informação é constestada pelo presidente da OAB no Paraná, Cássio Telles. Segundo o representante dos advogados, os documentos enviados pelo próprio TJ ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para conseguir negociar o prazo de 10 anos para cumprir a medida, indicam que, no ano que vem seriam necessários “apenas” R$ 2 milhões para iniciar a transição.

Sobre os questionamentos da OAB a respeito dos percentuais de reajustes, José Laurindo alega que, na média, os valores são baixos e que estão sendo pinçados casos isolados, de serviços específicos, para parecer que, no conjunto, haveria um grande aumento.

A OAB, por sua vez, enfatiza que a maior parte das taxas mais usuais terão aumento substanciais, acima de 70%.
O presidente do TJ ainda declara que o reajuste tem o objetivo de financiar a estrutura judiciária disponível para a população e que o projeto de lei mantem gratuidades e acrescenta vantagens, como a possibilidade de parcelamento (hoje não disponível).

José Laurindo aponta que, desta forma, as camadas menos favorecidas da população seriam as mais beneficiadas. Esse cenário é contestado pela OAB, que estudou a proposta em uma comissão e declara que há uma desproporcionalidade, com os processos judiciais de valores menores pagando custas maiores.

“Nós temos no Paraná uma injustiça na tabela de custas. Ações na faixa de 10 mil pagam de 7 a 9% do valor da causa. Para os valores mais altos, fica bem mais baixo. Deveria ser um 1% para todos. Às vezes, as custas ficam maiores que os valores cobrados”,

comenta Telles.

O presidente do TJ afirma que, com base no levantamento Justiça em Números, divulgado pelo CNJ, a média de custas no Paraná é uma das mais baratas do país e que o teto de R$ 1,9 mil fica bem abaixo do praticado em outros estados, como São Paulo, na faixa de R$ 87 mil.

Para a OAB, essa comparação dá uma falsa sensação de que os valores são mais módicos.

“A tabela do Paraná é diferente do modelo de outros estados. Aqui há um valor de entrada e cobrança a cada item, como mandados, editais, cartas precatórias, gerando um efeito em cascata”, diz Telles.

Enquanto que a tabela paranaense tem 62 itens, a de Santa Catarina, que serviu de referência para o projeto de lei, tem 12 itens.

“A tabela é de díficil compreensão até para os advogados. A população fica sem saber quanto vai custar um processo. Deveria ser simplicada, mas continua confusa, permitindo várias interpretações, e isso não foi enfrentado”,

afirma o presidente da OAB.

Para José Laurindo, há excesso de demandas judiciais, com cerca de 3 milhões de processos no Paraná. Ele acredita que o Judiciário deveria ser buscado em situações específicas, que não possam ser resolvidas por conciliação.

Esse argumento de que o reajuste das custas judiciais poderia desestimular as pessoas a procurarem o Judiciário não encontra respaldo na OAB. “Ficamos preocupados, porque vivemos num país de tantas violações”, comenta Telles. Ele ainda declara que há uma dificuldade enorme para se obter assistência judiciária, como exigência de certidões, que muitas vezes inviabilizam o acesso. “Quando tem um valor muito alto de custas, você começa a fechar portas [para o acesso ao Judiciário]“, diz.

Enquanto o TJ alega que está com o orçamento congelado, em função de uma negociação com o governo, a OAB salienta que o Judiciário recebe uma fatia considerável da arrecadação de impostos e que esse dinheiro é para ser usado para a prestação de serviços à população.

Telles também fala que a necessidade de mais recursos não foi comprovada. “Tem déficit? De quanto? Fizemos essas perguntas e não tivemos resposta“, conta. Ele reconhece que a Ordem foi consultada durante a discussão do projeto de lei, mas afirma que as principais sugestões enviadas não foram acatadas.

Por fim, o presidente da OAB pondera que qualquer proposta de aumento de custas nesse cenário de dificuldades econômicas da população, que não teve aumento de renda e ainda está pagando mais caro por uma série de produtos, seria inoportuna. E afirma que espera cautela e bom senso dos deputados no momento da análise do projeto de lei.

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