Diante da insatisfação do presidente Jair Bolsonaro com o setor de Inteligência, o governo promoveu nos últimos meses alterações em órgãos da área com o objetivo de, em sua visão, torná-los mais efetivos. Além da mudança de foco da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), vinculada ao Ministério da Justiça, que passou a monitorar opositores, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teve a estrutura reformulada, com a criação de mais uma unidade, o Centro de Inteligência Nacional.
Segundo a Abin, a nova estrutura, criada por decreto, terá entre suas missões assessorar outros órgãos do governo no “enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade”. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo apurou, o Centro de Inteligência Nacional assumiu atribuições dos extintos Departamento de Inteligência Estratégica e Assessoria Executiva do Sistema Brasileiro de Inteligência.
O novo centro, porém, pode ter tarefas mais amplas. No departamento anterior havia a atribuição de processar dados “fornecidos pelos adidos civis brasileiros no exterior, representantes estrangeiros acreditados junto ao governo brasileiro e pelos serviços estrangeiros congêneres”. Agora, a função passou a ser planejar, coordenar e implementar a “coleta estruturada de dados”, sem a restrição aos temas antes listados. Questionada, a Abin não informou como e quais tipos de dados deve coletar para alimentar seu sistema de informações.
A unidade será a interface da Abin com os demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), incluindo o Ministério da Defesa, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Polícia Federal. No decreto que reestrutura a Abin, foi também ampliado o número de cargos de confiança e retirado um trecho que limitava a servidores concursados a oferta de treinamento em Inteligência, na Escola de Inteligência da agência.
O objetivo das mudanças é “aumentar eficiência e eficácia da ação administrativa, com condições mais favoráveis para o desenvolvimento do órgão”, de acordo com nota assinada pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e pela Secretaria-Geral da Presidência. A pasta não respondeu quem será o responsável pelo novo centro, que ficará subordinado à Abin.
Atualmente, a agência é chefiada pelo delegado Alexandre Ramagem, que Bolsonaro tentou nomear como diretor-geral da PF, mas foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal.
Reclamação
O incômodo do presidente com a falta de informações foi exposto na polêmica reunião ministerial de 22 de abril. Na ocasião, Bolsonaro criticou auxiliares e disse manter um sistema “particular” de informantes. “Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, afirmou.
Dois dias após o encontro, o então ministro da Justiça, Sérgio Moro, pediu demissão e acusou Bolsonaro de exigir acesso a informações sigilosas da PF. O vídeo da reunião foi tornado público pelo ministro do STF Celso de Mello, relator do inquérito que apura interferência do presidente na corporação.
Sob a gestão do novo diretor-geral, Rolando de Souza, a PF também teve a área de Inteligência alterada. O delegado Alexandre Isbarrola assumiu o posto por indicação de Souza, que é próximo a Ramagem.
A atividade de Inteligência na PF é mais ligada a investigações em andamento do que à produção de conhecimentos estratégicos.
Questionado sobre o sistema “particular” de informação, Bolsonaro já afirmou em entrevista: “É um colega de vocês da imprensa que com certeza eu tenho, é um sargento no Batalhão de Operações Especiais no Rio, um capitão do Exército de um grupo de artilharia em Nioaque, um policial civil em Manaus. É um amigo que eu fiz em um determinado local faz anos, que liga pra mim e mantém contato pelo zap. Descubro muitas coisas, que lamentavelmente não descubro via Inteligência oficial, que é a PF, a Marinha, a Aeronáutica e a Abin”.
Em outra entrevista na portaria do Alvorada, o presidente disse que soube, por meio de informantes no Rio, que algo estava “sendo armado” contra ele e sua família.
Afirmou ter sido avisado com antecedência da possibilidade de busca e apreensão na casa de filhos dele e da “plantação” de provas contra a família, o que não ocorreu. Neste caso, atribuiu a ofensiva ao governador Wilson Witzel (PSC).
Monitoramento
Na Seopi, do Ministério da Justiça, as atividades de Inteligência viraram alvo do Ministério Público e do Supremo após a revelação da existência de um relatório contra 579 servidores públicos identificados como integrantes do “movimento antifascismo”. O direcionamento político do órgão também virou alvo do Congresso, que deve ouvir amanhã o ministro da Justiça, André Mendonça, em uma sessão secreta.
Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, nove dos 14 cargos de chefia na Seopi foram alterados após Mendonça assumir o cargo de Moro.
Mendonça disse que não há orientação para investigar opositores do presidente e que tomou como providências a abertura de sindicância e a demissão do diretor de Inteligência da secretaria, Gilson Libório, nomeado pelo próprio ministro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.