Bolsonaro, a imprensa e o coronavírus

Publicado em 20 mar 2020, às 00h00. Atualizado em: 5 jun 2020 às 10h20.

Em entrevista coletiva em que todos usavam máscaras quando ouviam e nunca quando falavam e sem manter a distância de mais de dois metros recomendada como prudente para não contrair nem transmitir a covid-19, o presidente Jair Bolsonaro não fez o que lhe cabe. E parece não ter entendido a gravidade da pandemia, embora tenha sinalizado, ufa, que não está fritando seu excelente ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deputado escolhido para o cargo – graças a Deus – por ele próprio e por recomendáveis critérios técnicos. Neste momento, o que a parte do País que ainda tem juízo e quer sobreviver espera é que ele, no mínimo, faça um apelo para que quem puder fique em casa e mantenha o mínimo possível de contatos pessoais. Já é um avanço notável, mas ficou faltando algo fundamental, que diferencia um estadista de um político qualquer.

Durante muito tempo Sua Excelência menosprezou o risco representado pela contaminação do novo coronavírus. Viajou para a Flórida num momento em que o mundo inteiro já tinha conhecimento da situação dramática na China, onde o bacilo foi inoculado pela primeira vez, e na Itália, de onde a moléstia se alastrou pelo mundo. O mais importante chefe de Estado do mundo, Donald Trump, também incorreu no mesmo engano e cometeu o terrível erro de receber a comitiva dele. O fato de 18 membros terem constatada a contaminação até a noite desta quarta-feira 18 de março de 2020 já fala por si só da imprudência de ambos. No entanto, ainda na entrevista coletiva que convocou na companhia de vários ministros envolvidos com o combate ao alastramento do mal, ele errou gravemente ao insistir em condenar o que considera “histeria”, mostrando que não percebeu a dimensão do que acontece agora no mundo inteiro.

Bolsonaro perdeu também na entrevista a oportunidade que lhe foi dada de pedir desculpas à Nação pela irresponsabilidade de cumprimentar com tapinhas nas mãos manifestantes do ato convocado para apoiá-lo e criticar os corretamente odiados chefões partidários e maganões do Judiciário. Disse que só o fez porque o teste a que se submeteu no Hospital das Forças Armadas, de presença do novo coronavírus, deu negativo. Pena nenhum repórter tê-lo questionado, como deveria fazê-lo, sobre que tipo de sensibilidade, premonição ou informação ele tem de que nenhuma daquelas 272 pessoas que ele tocou ao longo de 58 minutos à frente da rampa de descida do Palácio do Planalto poderia haver-lhe transmitido o terrível bacilo. Será que nenhum ocupante dos outros gabinetes instalados naquele prédio é capaz de saber e lhe comunicar que a saúde de um chefe de governo é bem público e ele deve zelar por isso?

Essa entrevista pode ser comparada com outra, na Casa Branca, na véspera, mais ou menos na mesma hora. Nesta Donald Trump, com ar compungido no rosto sem máscara, como convém a um executivo com seu poder, disse:

“Temos de lutar contra esse inimigo invisível. Acho que é desconhecido, mas o estamos conhecendo muito melhor”

Mike Spence, o vice, pediu aos americanos que adotem as ações recomendadas pelos infectologistas, nos próximos 15 dias. Talvez por nunca haver entendido que ele foi eleito, sim, mas com um substituto eventual que deve ser respeitado e convidado  como o americano, o capitão nem convocou o outro componente da chapa vencedora, o general Hamilton Mourão. Entre outros presentes ao reconhecimento do erro que o chefe do governo mais poderoso do mundo cometera ao não levar a sério a guerra bacteriológica, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, disse algo que o brasileiro ainda não aceitou: “A atual situação é pior do que o 11 de Setembro para o setor aéreo”. Referia-se ao atentado terrorista de Osama bin Laden às torres gêmeas. Não faltaram outros exemplos similares no mundo. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, adotou medidas para evitar a disseminação da covid-19, entre as quais a possibilidade de usar tecnologia de ponta para detectar doentes em locais de aglomeração.

Em vez disso, “seu” Jair preferiu renovar seus ataques à imprensa, misturando a atividade com fake news, apesar de não respeitar a verdade em vários momentos. Disse, entre outros insultos, que os meios de comunicação não trataram com o mesmo rigor presidentes que enfrentaram situação semelhante. A imprensa combateu a ditadura militar e não deu paz a nenhum político corrupto, do direitista Paulo Maluf aos esquerdistas sob o comando de Lula. Aliás, nunca houve momento tão grave no Brasil, a não ser em 1919, quando o presidente eleito Rodrigues Alves morreu de gripe espanhola sem ter tomado posse, sendo substituído por um vice louco, Delfim Moreira, até que Epitácio Pessoa o sucedeu. A forma irresponsável como ele tratou a própria saúde talvez não chegue a esse desfecho, e felizmente é notório que Mourão tem saúde mental de sobra.

Tudo o que se espera dele é que lidere o combate à covid-19 usando quaisquer aliados disponíveis, incluindo os meios de comunicação.