Redes sociais: a liberdade de expressão e as suas restrições
A liberdade de expressão no Estado brasileiro é assegurada não só na Constituição de 1988, mas também em inúmeros tratados internacionais em que o Brasil é signatário, tais como: Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948, artigo 19), Convenção Americana dos Direitos Humanos (OEA, 1969, artigo 13) e Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, artigo 19).
Na Constituição Federal de 1988 estão previstas, em seu artigo 5º, como direito fundamental, diversas liberdades, que, se agrupadas, incluem o direito de liberdade de expressão.
Tais liberdades compreendem: liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV); liberdade de consciência e de crença — liberdade de expressão religiosa (inciso VI); liberdade de expressão artística (inciso IX) e liberdade de comunicação e de informação — liberdade de imprensa (inciso XIV).
Assim, conforme destacado acima, a Carta Magna, ao contrário de outras ordens constitucionais, acabou não adotando o termo “liberdade de expressão” como gênero que abarca demais liberdades. Em realidade, o legislador optou por elencar as espécies de liberdade, servindo o inciso IV, do artigo 5º, como cláusula geral para tanto.
Portanto, em quaisquer de suas formas, a liberdade de expressão é reconhecida como um direito fundamental, indo ao encontro da autonomia e do livre desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, havendo extrema correlação com a democracia, conforme ensina o professor Ingo Sarlet (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 496):
“É amplamente reconhecido que a liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de expressão, compreendidas aqui em conjunto, constituem um dos direitos fundamentais mais preciosos e correspondem a uma das mais antigas exigências humanas, de tal sorte que integram os catálogos constitucionais desde a primeira fase do constitucionalismo moderno. Assim, como a liberdade de expressão e a manifestação do pensamento encontra um dos seus principais fundamentos (e objetivos) na dignidade da pessoa humana, naquilo que diz respeito à autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo, também guarda relação, numa dimensão social e política, com as condições da democracia e do pluralismo político, assegurando uma espécie de livre mercado das ideias, assumindo, neste sentido, a qualidade de um direito político e revelando ter também uma dimensão nitidamente transindividual, já que a liberdade de expressão e os seus respectivos limites operam essencialmente na esfera das relações de comunicação e da vida social”.
Com isso, a liberdade de expressão, em seu gênero, se mostra de extrema importância para o indivíduo, a fim de permitir que cada um expresse seus pensamentos e ideias, e para a sociedade, possibilitando a obtenção de informações, pensamentos e opiniões, sem interferência, assegurando um Estado democrático de Direito, nos termos do doutor em Direito Leonardo Valles Bento (BENTO, 2014, p. 271):
“[…] a liberdade de expressão não deve ser entendida apenas em um sentido individual, mas também como um direito difuso. Como direito individual, a liberdade de expressão consiste no direito de cada pessoa expressar livremente seus pensamentos, ideias e informações. Como direito difuso, trata- -se do direito da sociedade de obter informações e receber, livre de interferência e obstáculos, os pensamentos, ideias, opiniões e informações dos outros. Assim, a liberdade de expressão constitui-se em instrumento de intercâmbio e comunicação entre todos os seres humanos. Conhecer o pensamento do outro é tão importante quanto exprimir o próprio”.
Restrições à liberdade de expressão
Nenhum direito fundamental pode ser ilimitado, absoluto, sendo, portanto, passível de restrição quando em choque com outro. Assim, a liberdade de expressão pode sofrer restrições, de modo a proteger outros direitos fundamentais previstos no artigo 5º, da Carta Magna.
A doutrina majoritária entende que o discurso de ódio (hate speech) é a limitação da liberdade de expressão. Todavia, não há uma definição precisa a respeito do conceito jurídico de discurso de ódio, podendo ser ampliado demasiadamente, causando tamanha restrição na liberdade de expressão a ponto de prejudicar a democracia e causar incerteza jurídica. Sendo assim, há necessidade de elementos objetivos para caracterizar tal situação.
Deve-se sublinhar que a liberdade de expressão possui caráter preferencial quando posto em combate a outro direito. Este entendimento restou consolidado quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130 pelo Supremo Tribunal Federal, em que restou consignada a seguinte conclusão: “não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de plena” (STF, 2009).
Em defesa ao posicionamento adotado pela Corte Suprema, Ingo Sarlet (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 496) explica que:
“Dada a sua relevância para a democracia e o pluralismo político, a liberdade de expressão — pelo menos de acordo com significativa doutrina — assume uma espécie de posição preferencial, quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais, muito embora se afirme que no Brasil a teoria da posição preferencial — em que pese consagrada pelo STF quando do julgamento da ADFP 130 — tem sido, em geral, aplicada de forma tímida”.
Nesta seara, tendo em vista a sua grande importância, não se pode permitir que a liberdade de expressão seja restringida por um elemento que possa ser interpretado de maneira diferente por cada pessoa, havendo a necessidade, conforme exposto acima, de se estabelecer elementos objetivos. Tais elementos podem ser encontrados no atual ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei Penal brasileira possui normas balizadoras que, de modo indireto, restringem a liberdade de expressão, quais sejam, os crimes contra a honra e os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Assim, havendo condutas tipificadas no âmbito penal, a liberdade de expressão acaba por ser restringida, por meio legítimo, não podendo ultrapassar tais barreiras, sob pena de seu autor incorrer em crime.
Tais restrições são reconhecidas como fidedignas, haja vista que protegem os bens jurídicos, promovendo a segurança jurídica e a paz social, conforme explica o autor Paulo Henrique Conti (CONTI, 2015, p.7):
“Nesse sentido, pode-se afirmar que o Direito Penal compartilha com os demais ramos do Direito a tarefa de promoção da segurança jurídica e da paz social. Entretanto, a especial função de proteção do Direito Penal deriva da tarefa de prevenção-repressão frente às perturbações que colocam em perigo a referida paz social. Tais perturbações, conforme o tipo de conduta realizada, afetam interesses que, para a convicção majoritária da comunidade, são considerados valiosos e, por isso, necessitados de proteção jurídico-penal. A doutrina, costumeiramente, define os referidos interesses penalmente protegidos como ‘bens jurídicos’, estabelecendo como finalidade inerente ao Direito Penal a proteção desses através da utilização de meios específicos”.
Deste modo, para ser legítima a restrição de qualquer direito fundamental, deve-se verificar a proporcionalidade, a razoabilidade e a necessidade da medida; previsão em lei das restrições, a fim de não serem tomadas de maneira arbitrária; e a possibilidade de recurso e revisão da medida por autoridades independentes, nos termos ensinados pelo Doutor em Direito Leonardo Valles Bento (BENTO, 2015, p. 277):
“Conforme dito antes, as restrições à liberdade de expressão na Internet devem respeitar requisitos exigentes de razoabilidade. Em primeiro lugar, tais restrições devem ser excepcionais e taxativamente previstas em Lei, aprovada pelo Poder Legislativo, a qual deverá descrever as hipóteses de restrição de forma clara e objetiva, reduzindo ao mínimo a discricionariedade das autoridades públicas na sua interpretação. Além disso, quanto ao mérito, tais hipóteses de restrição devem passar em um teste tripartite de adequação, necessidade e proporcionalidade. Por fim, as decisões das autoridades públicas que determinem uma restrição à liberdade de expressão devem ser passíveis de recurso e de revisão por autoridades independentes”.
Portanto, diante dos parâmetros acima, correto afirmar que a liberdade de expressão somente poderá ser restringida em casos de crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) e/ou crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, não havendo que se falar de modo generalista em discurso de ódio, pois, conforme já destacado, um termo tão genérico poderá, como muitas vezes acaba por acontecer, ferir o núcleo essencial do direito fundamental e, por consequência, ferir a democracia.
Realizada a definição de liberdade de expressão, verificado seu caráter preferencial e de ser de suma importância para a democracia, bem como as legítimas restrições que pode sofrer, passa-se à análise de tal direito fundamental nas redes sociais.
Regulamentação da liberdade de expressão na internet
As redes sociais são ferramentas utilizadas pelos cidadãos, no mundo todo, para exprimir suas opiniões em relação aos assuntos do cotidiano, da política e da sociedade em geral. Em alguns países esta ferramenta não pode ser utilizada de maneira ampla, diante de situações de restrição de direitos, porém, no Brasil, a Constituição garante o funcionamento do Estado democrático de Direito, na qual os cidadãos são livres para expressar seu pensamento.
Assim, no território brasileiro, as redes sociais tornaram-se uma espécie de “praça pública” dos tempos modernos, em uma sociedade de massa e em que a velocidade da informação é extraordinária, ante os mecanismos da internet à disposição dos usuários.
Neste contexto, ficou bastante evidente ao legislador brasileiro, a necessidade de regulamentação desta forma de comunicação, tendo em vista a possibilidade de violação a direitos e garantias fundamentais por meio desses recursos tecnológicos, razão pela qual foi elaborada a Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet no Brasil.
Tal legislação acabou por regulamentar os fundamentos e princípios que devem ser observados no uso da internet, dispondo sobre a liberdade de expressão e sua proteção, bem como sobre a responsabilização daqueles que atuarem de forma lesiva a esta liberdade.
Nestes termos dispõe o artigo 3º do Marco Civil da Internet:
“Artigo 3º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
II – proteção da privacidade.
Observa-se, portanto, que a legislação está perfeitamente alinhada com a Carta Magna, colocando a liberdade de expressão como princípio e prevendo a responsabilização subjetiva dos provedores de aplicação de internet, conforme se observa do artigo 19, a seguir transcrito:
“Artigo 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos de seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Diante da previsão acima, considerando que nos provedores de aplicação da internet encaixam-se as plataformas de redes sociais, como YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, dentre outras, verifica-se que tais plataformas não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por seus usuários, salvo se houver ordem judicial para retirada do conteúdo.
Em tal sentido, os autores Marco Florencio Filho e Juliana Abrusio (ABRUSIO e FLORENCIO FILHO, 2014, p. 131) ensinam que:
“Quanto a responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terreiros, o Marco Civil da Internet afasta qualquer possibilidade de que sejam, os provedores de conexão à internet, responsabilizados civilmente por danos de seus usuários, na medida em que eles se limitam a fornecer meios para utilização e o funcionamento da rede. Tal situação foi prevista na legislação para, justamente, garantir a liberdade de expressão dos usuários e, igualmente, garantir o modelo de negócio das plataformas de publicação dos conteúdos”.
A única exceção à necessidade de ordem judicial está prevista no artigo 21, do Marco Civil da Internet, por se tratar de situação grave e que demanda atuação imediata da empresa.
Ocorre que as plataformas têm se utilizado das “regras da comunidade” para fazer análise dos conteúdos publicados por seus usuários, sendo que tais regras nem sempre estão de acordo com as normas constitucionais, ferindo, desta forma, os direitos dos usuários, que somente podem ter seus conteúdos retirados da internet, após ordem judicial que verifique a ocorrência de crime, conforme já analisado no item anterior.
Como conclui Morgana Alencar em seu artigo no site Aurum (ALENCAR, 2021):
“[…] não cabe aos provedores de aplicação de internet o exercício do controle prévio de informações postadas no site por terceiros, até mesmo porque caso fosse exigido atuação nesse sentido, estaria sendo exercida censura, em nítida ofensa ao princípio constitucional da liberdade de expressão”.
Igualmente tais empresas estão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, caracterizando-se como prestadoras de serviço, enquanto o usuário é considerado consumidor final, sendo que os termos das regras da comunidade não podem infringir os termos da lei consumerista, bem como as regras do Marco Civil da Internet.
Assim, aplica-se à relação usuário-plataforma, o disposto no artigo 47, do CDC, que dispõe: “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
No que concerne às regras das plataformas, estas regras devem ser interpretadas pelo operador do direito de maneira mais favorável ao usuário e sempre respeitando o direito de se manifestar livremente.