STJ fala sobre "propósito desvirtuado" e veta atuação da Guarda Municipal como força policial
Após o julgamento de um recurso que anulou a condenação de um réu por tráfico de drogas – visto que a abordagem do suspeito e apreensão de provas foram feitas por guardas municipais – a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese de que a Guarda Municipal (GM) não pode exercer atribuições de polícias civis e militares. A argumentação da decisão foi de que a GM não está entre os órgãos de segurança pública previstos pela Constituição Federal.
- Leia mais:
Segundo a Sexta Turma, a atuação dos guardas municipais deve se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município. O colegiado também considerou que só em situações absolutamente excepcionais a Guarda pode realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal, quando a ação se mostrar diretamente relacionada à finalidade da corporação.
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou a importância de se definir um entendimento da corte sobre o tema, tendo em vista o quadro atual de expansão e militarização dessas corporações. Segundo explicou o ministro, o propósito das guardas municipais vem sendo significativamente desvirtuado na prática, ao ponto de estarem se equipando com fuzis, armamento de alto poder letal, e alterando sua denominação para “polícia municipal”.
Atribuições da Guarda Municipal
O ministro apontou que o poder constituinte originário excluiu propositalmente a Guarda Municipal do rol dos órgãos da segurança pública (artigo 144, caput) e estabeleceu suas atribuições e seus limites no parágrafo 8º do mesmo dispositivo, na Constituição de 1988.
Schietti observou que, apesar de estar inserida no mesmo capítulo da Constituição, a corporação tem poderes apenas para proteger bens, serviços e instalações do município, não possuindo a mesma amplitude de atuação das polícias.
Conforme o ministro, as polícias civis e militares estão sujeitas a um rígido controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que é uma contrapartida do exercício da força pública e do monopólio estatal da violência. Por outro lado, as guardas municipais respondem apenas, administrativamente, aos prefeitos e às suas corregedorias internas.
Para ele, seria potencialmente caótico “autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo”.
Busca pessoal
O ministro explicou que a Guarda Municipal não está impedida de agir quando tem como objetivo tutelar o patrimônio do município, realizando, excepcionalmente, busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade. Essa exceção, entretanto, não se confunde com permissão para realizar atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias no combate à criminalidade.
Em seu voto, Schietti assinalou que a fundada suspeita mencionada pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) é um requisito necessário para a realização de busca pessoal, mas não suficiente, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar sua presença.
Quanto ao artigo 301 do CPP, que permite a qualquer pessoa do povo efetuar uma prisão em flagrante, o ministro observou que não é fundamento válido para justificar a busca pessoal por guardas municipais, ao argumento de que quem pode prender também poderia realizar uma revista, que é menos grave.
A hipótese do artigo 301, segundo ele, se aplica apenas ao caso de flagrante visível de plano, o qual se diferencia da situação flagrancial que só é descoberta após a realização de diligências invasivas típicas da atividade policial, tal como a busca pessoal, “uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes”.