Dino censura livros jurídicos após pedido de universitários de Londrina
O ministro censurou os livros jurídicos e exigiu a retirada de circulação, mas permitiu uma reedição com supressão dos trechos citados
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino ordenou a censura de livros jurídicos que contêm conteúdo homofóbico, preconceituoso e discriminatório contra a comunidade LGBTQIAPN+ e mulheres no geral.
A decisão do ministro atende a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), que foi questionado sobre o teor das obras por estudantes da Universidade de Londrina, que encontraram as obras na biblioteca da instituição.
Na decisão, Dino submete o retorno da circulação das obras a uma reedição, com retirada dos trechos que ele classifica como “incompatíveis com a Constituição Federal”.
O ministro afirma ainda que as obras “desbordam do exercício legítimo dos direitos à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento, configurando tratamento degradante, capaz de abalar a honra e a imagem de grupos minoritários (comunidade LGBTQIAPN+) e de mulheres na sociedade brasileira, de modo a impor a necessária responsabilização dos recorridos”.
O que motivou a censura
Na ação, o MPF afirmou que os livros contêm intolerância contra grupos minoritário e discurso de ódio. Dentre os trechos citados das obras, está ataques contra mulheres, como o trecho a seguir: “Algumas das mulheres mais lindas e gostosas […] do uso exclusivo dos jovens playboys”, sendo que “outras mulheres do mesmo estilo ficam ainda, com os playboys velhos de 40, 50 e 60 anos, que teimam em roubar as mulheres mais cobiçadas do mercado”.
Em outro trecho, uma das obras compara o movimento LGBTQIAPN+ com o nazismo: “Possibilitando que, assim como a onda vermelha do nazismo, essa onda arco-íris, que quer adicionar outras cores a este universo maléfico da podridrão humana seja enfrentada, sendo que a AIDS ‘somente existe pela prática doentia do homossexualismo, bissexualismo e entre os heterossexuais, quando da penetração anal nas mulheres”.
TRF-4 negou ação e MPF recorreu
A ação do Ministério Público Federal foi negada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Segundo a decisão da maioria da Corte, os textos seriam “pouco elegantes”, mas não possuiriam potencial de disseminar o ódio:
Não “obstante os aspectos estilísticos pouco elegantes, as obras em análise não tem potencial para disseminar o ódio sexista ou homofóbico”, pois a “veiculação e defesa de ideias, por meio de linguagem deselegante não caracteriza ofensa outras, hipótese que concretamente está garantida pela liberdade de expressão.”, cuidando-se de trechos dispersos que, “diante de sua extensão, não possuem força considerável para incitar o ódio ou o preconceito”, não sendo “encargo do direito tutelar o bom gosto, a falta de graça ou o acerto ou erro da manifestação do pensamento. De maneira oposta, o seu compromisso é proteger a manifestação do pensamento em si, por que o pensamento serja tachado de feio ou errado”, decidiu o TRF-4.
Porém, dentro do próprio tribunal, houve votos divergentes. Segundo alguns dos magistrados, o teor dos textos fazia com que fosse necessário se retirar de circulação e destruir os exemplares, “pelo dever de proteção antidiscriminatória e combate à intolerância”.
Os divergentes apontaram ainda que a “disseminação de discurso de ódio” não é acobertada “por uma interpretação sem limites da liberdade de expressão, considerando, apesar de avanços, os alarmantes dados da violência homofóbica e as imensas desigualdades e injustiças presentes, tudo conduzindo à resposta jurídica em termos de proteção dos direitos das mulheres e da comunidade LGBTQIA+, sob pena de se naturalizar o tratamento desrespeitoso e de forte preconceito, rotineiramente usados contra as mulheres e cidadãos brasileiros LGBTQIA+, não se podendo fechar os olhos para manifestações de tamanha gravidade, que pregam a homofobia e misoginia, chegando a atribuir condutas criminosas às comunidades atacadas, mormente quando se apresentam em publicações acadêmicas, sendo preciso “lembrar que essas ‘obras jurídicas’ são compradas principalmente por jovens, em seu momento de formação profissional. É nefasto que entrem em contato com ideias provenientes dessas mentes retrogradas e preconceituosas, que servem apenas para fomentar a violência em nossa sociedade”, diz o voto vencido.
Já na decisão de Dino, o ministro traz, ainda, números que mostram que o Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+ em 2023, e segue como país mais homotransfóbico do mundo, o que demonstra a importância de reiterar decisões já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em defesa da dignidade humana.
“Esta Casa possui consolidada jurisprudência sobre a importância da livre circulação de ideias em um Estado democrático, porém não deixa de atuar nas hipóteses em que se revela necessária a intervenção do Poder Judiciário, ante situações de evidente abuso da liberdade de expressão, como a que verifico no caso em exame”, afirma a decisão.
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