Atraso no IPTU pode causar apreensão de CNH e passaporte? Veja se é fato ou fake
Após a validação do Supremo Tribunal Federal (STF) da medida de apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte em casos de dívidas, no início de fevereiro, começaram a circular boatos sobre a apreensão destes documentos para contribuintes que não pagarem o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
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Mas será que é realmente disso que se trata a medida do STF? Gerson de Souza, advogado especialista em direito tributário e previdenciário, explica que não! É fake que quem não pagar o IPTU vai ter a CNH e o passaporte apreendidos (entenda abaixo).
De acordo com o especialista, “a apreensão da CNH e do passaporte pelo não pagamento do IPTU ou de qualquer outro débito não vale para os contribuintes em geral, mas tão somente para aqueles que participaram de um processo judicial onde houve já a decisão condenando ao pagamento, ou seja, afeta as pessoas que perderam a causa na justiça”.
Estes documentos podem ser apreendidos em alguns processos judiciais, mas a apreensão só acontece depois que o devedor perde o processo na Justiça. Ou seja, a apreensão da CNH e do passaporte não é automática, não tem o efeito “deveu, apreendeu”. A medida então poderá ser decidida por qualquer Juiz e grau de jurisdição. Não há valor mínimo da dívida estipulado e nem prazo, a depender do decorrer do processo judicial.
Entenda qual foi a validação do STF
RIC Mais: Como foi a decisão do STF que permite a apreensão de documentos?
Souza: O primeiro ponto é que a Lei nº 13.105/2015, conhecida como Código de Processo Civil (CPC) de 2015, tem a previsão das medidas que os juízes poderão tomar para garantir o cumprimento das decisões judiciais. Assim, o seu art. 139, inciso IV, prevê: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Conforme se verifica, a adoção de medidas coercitivas estaria restrita dentro de um processo judicial que tramitou e teve uma decisão já proferida. É uma questão interna a um processo que afeta as partes do processo apenas.
O segundo ponto é que posteriormente o Supremo Tribunal Federal (STF), através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5941, analisou o art. 139, inciso IV, do CPC, declarando constitucional o dispositivo mencionado que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, incluindo apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, além da suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública. A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator ministro Luiz Fux, desde que tais medidas sejam equilibradas observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
RIC Mais: Quais as polêmicas sobre como a apreensão dos documentos pode afetar a população?
Souza: Entendido a mecânica da coisa, explico agora o meu entendimento. Mesmo que a restrição afete somente as partes que perderem um processo, no meu entender tal restrição na CNH e no passaporte não poderia ocorrer justamente porque fere o direito fundamental de ir e vir. Já existem outras medidas legais a serem adotadas para os devedores de IPTU e outros débitos, tais como a inscrição em dívida ativa e a penhora de bens. Logo, não poderia haver tal restrição na CNH e no passaporte. Agora, referente a proibição de participar de licitações e concursos públicos tudo bem, porque um dos requisitos para o setor público é a imagem limpa daqueles que participam de tais programas. Assim entendeu também o ministro Edson Fachin que divergiu em parte do relator para considerar inconstitucional a parte final do inciso IV, que prevê a aplicação das medidas que tenham por objeto prestação pecuniária (dever de pagar débito), pois para ele o devedor não pode sofrer sanção que restrinja sua liberdade ou seus direitos fundamentais em razão da não quitação de dívidas, exceto na hipótese do devedor de alimentos.
RIC Mais: Se alguém tiver a carteira ou passaporte apreendidos por atraso no IPTU, o que fazer?
Souza: Caso algum contribuinte venha a passar por tal situação, existe uma saída técnica. Poderá parcelar o débito tributário, e usar a certidão positiva com efeito de negativa a seu favor para demonstrar que está regular perante a administração tributária.