Rainhas do Crime: discurso feminista e a força da mulher nas ruas barras-pesadas
Cotação: ★★★½
No final dos anos 1970 Nova York era uma cidade bastante decadente. A degradação moral, politica e econômica se arrastava havia um bom tempo e a população de Manhattan e arredores se acostumara com a banalização da violência. Crimes eram cometidos aos borbotões, com jovens ditando as ordens em gangues espalhadas pelas ruas e assassinatos cometidos a sangue frio à luz do dia e aos olhos de todos.
É nesse ambiente que se desenvolve a trama de Rainhas do Crime, história policial que chega nesta quinta-feira aos cinemas brasileiros. Mais precisamente no Midtown (o meio da ilha, mais precisamente entre as ruas 32 e 59 na parte leste) pejorativamente apelidada de Hell’s Kitchen (“cozinha do inferno”, em português). Naquela região, comandada por tradicionais famílias irlandesas, comerciantes garantem a segurança de seus estabelecimentos pagando periodicamente quantias de propina a um grupo de “milicianos”, que “protegem” a vizinhança ao compor uma máfia muito particular e fechada e, assim como a italiana, autodenominada “família”. Quando o comandante do grupo é preso com mais dois parceiros, as três esposas ficam desamparadas pelo novo chefe, que lhes recusa a pagar a quantia necessária para manter o sustento de suas famílias pelos três próximos anos de cumprimento de pena prisional.
É aqui que começa a ação do longa-metragem assinado pela atriz Andrea Berloff, em sua primeira experiência na direção. Assinando também o roteiro (adaptado da série assinada pela quadrinista Ming Doyle, publicada em oito edições pela Vertigo entre 2015 e 2016), Andrea leva às telas uma história que engrossa o coro feminista de que aquela história inventada pelo velho patriarcado que insiste em comandar a sociedade, a de que “tal coisa não pode ser feita por mulheres”, não cola mais. Ruby (Tiffany Hardish), Kathy (Melissa McCarthy) e Claire (Elizabeth Moss) logo arrumam um jeito de botar a mão na massa e tornar bem-sucedido o plano de armar um golpe dentro da “família” e, com perspicácia, lábia, atitude e inteligência, tomar a frente dos “negócios” em Hell’s Kitchen, desbancando o poder da macharada mafiosa e ainda ficando com o dinheiro das atividades para elas.
A milícia irlandesa vai tão bem “sob nova direção” que até desperta o interesse dos vizinhos “italianos” do lado de lá da ponte do Brooklyn em fazer parcerias. Com o sucesso, a trinca começa a enfrentar problemas inesperados como ameaças, medo e, sobretudo, traições. Nunca se sabe onde nem quando estará presente o inimigo. Muito menos quem ele é, podendo até mesmo ser gente próxima. Enquanto isso, as diferenças de temperamento entre as três amigas vai se tornando cada vez mais clara e irreversível: Claire se torna durona por se cansar de tanto apanhar, Kathy não abre mão do seu grande coração maternal e Ruby se isola na frieza para comandar os negócios.
E assim o espectador é guiado por algumas reviravoltas até o fim, com muitos tiros, sangue espirrando para todo lado e aquele ritmo ágil de quadrinhos (às vezes com certo humor também) deliciosamente transposto para a tela. Enquanto isso, a trilha sonora assinada por Bryce Dessner (integrante do cultado grupo indie National) vai delineando
Rainhas do Crime é diversão garantida para quem gosta de tramas policiais, foco no undergrounde os constantes diálogos entre a arte sequencial e a sétima arte. Contudo, há de ressaltado seu principal ponto: este é um filme de mulheres (autora, roteirista, diretora, protagonistas) sobre mulheres, pelas mulheres e com a ótica das mulheres. Envolve sexo, máfia, violência e muitos, muitos homens que se acham os tais mas não chegam aos pés da astúcia e da inteligência feminina.
Rainhas do Crime(The Kitchen, EUA, 2019 – Warner). Direção e roteiro: Andrea Berloff. Com Melissa McCarthy, Elizabeth Moss, Tiffany Haddish, Domhnall Gleeson, Annabella Sciorra, Common e James Badge Dale. 102 minutos. Estreia nos cinemas brasileiros: 8 de agosto de 2019.