Beethoven dominou a retomada da vida musical de concertos no País por meio de programação digital em sua primeira semana em capitais brasileiras. Na sexta, 7, e sábado, 8, dois grupos de cerca de 50 músicos da Osesp se alternaram para interpretar duas aberturas e duas sinfonias, transmitidas ao vivo da Sala São Paulo, dando a largada na temporada Beethoven 250.

Aos poucos, o “novo normal” começa a tomar forma mais definida. O concerto de sábado da Osesp, por exemplo, foi assistido por mais de 14 mil pessoas, o equivalente, grosso modo, a dez concertos presenciais numa Sala lotada. É evidente a força dos meios digitais. Finalmente, a música parece chegar aos ouvidos de todo mundo, democraticamente.

Nem tudo são flores, entretanto. As artes de performance, as “performance arts” – música, teatro, dança e afins -, são atavicamente ligadas à necessidade de um contato direto com o público, num processo de retroalimentação e estímulo mútuo. A emoção da plateia invade o palco; músicos em transe recriam obras-primas – e todos saem do concerto considerando-se privilegiados por terem testemunhado e/ou criado um evento artístico único.

A transmissão digital quebra violentamente esse virtuoso trinômio obra-músicos-público, que se concretiza por uma ou duas horas e depois desvanece no ar. Ora, dirão, são tradicionais as filmagens de grandes concertos consumidos aos milhões mundo afora – sobretudo nas redes sociais, YouTube à frente. Estes reproduzem o clima eletrizante dos músicos no contato direto com seu público.

Daqui para a frente, assistiremos em música à reprodução da ambivalência cinema-teatro, do ator que se dá melhor num ou noutro meio. Nada mais melancólico que um artista agradecer a um público inexistente, a uma sala vazia. Agora, será preciso atuar para câmeras, não para o público. E isso esfria demais as execuções. Este fenômeno repetiu-se nos concertos Beethoven em São Paulo, Rio e Belo Horizonte.

Visivelmente incomodados com a nova distância que são sanitariamente obrigados a observar, os músicos precisam reinventar-se em vários níveis: aprender a tocar sem público e reaprender a ouvir os parceiros. Na música camerística e também na orquestral, as cordas tocam em duplas dividindo uma estante, o que não mais acontece no novo normal; o mesmo acontece com as madeiras, acostumadas a tocarem juntas&misturadas; e com os metais.

Parece banal, mas não é. Altera-se consideravelmente o modo como se interpenetram os vários timbres em jogo numa obra musical – e é preciso reconstruir inteiramente a interpretação. Caso contrário, repete-se o que ocorreu nos dois concertos da Osesp. Na sexta como no sábado, as obras do programa eram arquiconhecidas dos músicos. Nós, internautas, sentimos de um lado a forte emoção de retomar a audição de concertos pela orquestra mais reputada do País; mas, de outro, as execuções foram rotineiras. Nem mesmo os regentes Wagner Politschuk e Emmanuele Baldini – ambos experientes e competentes – conseguiram construir uma interpretação empolgante. Tudo pareceu apenas correto. É pouco.

Não por culpa dos músicos ou dos maestros. Todos estão a duras penas reaprendendo a tocar em condições completamente diferentes do normal. Era, portanto, previsível. Aos poucos, certamente, todos conviverão à vontade com câmeras e salas vazias. Saberão, como dizem os jogadores de futebol, “dar o seu melhor”.

Neste sentido, parece que pequenos grupos se saem melhor em concertos digitais. Tanto no Rio quanto em Belo Horizonte, as performances soaram mais empenhadas. E, principalmente, a qualidade sonora estava bem melhor que na Sala São Paulo. Verdade que a Filarmônica de Minas Gerais investiu pesado em 2019 na instalação de um estúdio moderno, remotamente controlado. Mas quem assistiu ao concerto da Sala Cecília Meirelles também deve ter ficado impressionado com a qualidade sonora da transmissão.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.