Felipe Franco Munhoz tem 23 anos, um romance prestes a ser publicado e já sobreviveu a quatro AVCs (Acidente Vascular Cerebral). Os fatos parecem aleatórios e distantes entre si, mas não.
Em uma tarde de terça-feira, com sol imponente e temperatura amena de um típico outono paranaense, Curitiba está na agenda de Felipe, que hoje divide seus dias entre o Paraná e São Paulo. Os tempos são de transições e mudanças, mas ele aponta um rumo. “Meus livros estão todos lá”, diz. Este é um importante indicativo sobre o destino de um escritor.
E é em uma mesa de café, junto a uma livraria que ele costura seus próprios episódios. A eles.
Decorrente de um problema no coração, chamado Forame Oval Patente, Felipe teve seu primeiro AVC aos 12 anos de idade. O último aconteceu em 2012. Desde cedo começou a ver a morte como uma possibilidade cotidiana. “Todo dia antes de dormir penso em algo bonito para falar, caso sejam as últimas palavras”. Dramatiza em tom de brincadeira.
A saúde frágil já havia transformado sua vida muito antes, quando na infância uma bronquite lhe atingia e obrigava sua família a sair da poluída São Paulo e ir viver no litoral, onde seus pulmões se recuperariam. Foi neste capítulo que Felipe estabeleceu sua relação com a literatura. Os livros eram companhias diárias.
Das leituras, as primeiras produções. Felipe começou a investir na composição de contos, até que suas incursões e pesquisas literárias o levaram até seu maior expoente: Philip Roth.
“Mentiras” foi o primeiro contato com o escritor estadunidense considerado um dos maiores escritores vivos da língua inglesa. A estrutura do romance, composta apenas por diálogos, foi inspiração e desafio para o jovem, que logo teria lido todos os livros da obra de Roth.
Dos estudos e leituras, Munhoz chegou ao seu primeiro romance, ainda sem data para publicação. “Mentiras”, homônimo ao livro de Roth, é inspirado e dialoga com a produção do americano.
O estudo colocou Felipe em contato com a Philip Roth Society, em Newark. E deste diálogo, o chamado inesperado: Munhoz foi o único brasileiro convidado a participar das comemorações do aniversário de 80 anos de Philip Roth, onde apresentaria seu próprio romance.
A ideia de conhecer o grande autor agora seria questão de tempo.
Um encontro comum
Terça-feira, 19 de março. Era uma tarde com sol em Newark quando Felipe participava do evento que celebraria os 80 anos de Philip Roth, ainda sem a presença do homenageado confirmada. Na programação, bolo e champagne. No bolso, um trecho de seu romance ainda não publicado.
Felipe aguardava o início da cerimônia no saguão de entrada do Newark Museum acompanhado de sua esposa Eliane Lucina quando o aniversariante cruza a porta de entrada do local. Já não havia dúvidas.
Os cerca de noventa convidados demoraram a perceber a presença do homenageado, que permaneceu ao lado de Felipe, com quem conversou durante vinte minutos.
A noite anterior havia sido dominada pela ansiedade que tirou o sono de Munhoz, que não pensava em outra coisa a não ser nas possibilidades que poderiam ocorrer durante o tão desejado e até então não confirmado encontro.
Uma das únicas não imaginadas foi a de um diálogo tranquilo e natural. “Tive medo da reação dele ao saber que havia sido transformado em personagem de um romance meu”. Ao contrário, Roth era todo atenção ao ouvir falar do trabalho do jovem escritor que lhe deu o trecho de seu romance que trazia no bolso. Felipe foi ainda agraciado por uma conhecida do americano. As palavras “Roth ficou muito tocado com o que você deu a ele” geram satisfação até hoje ao contar o episódio.
O evento seguiu. O champagne foi brindado e o bolo que continha desenhos dos livros do aniversariante foi cortado. Para Felipe Munhoz coube a fatia de “Nêmesis”, último livro de Roth, que anunciou sua aposentadoria recentemente.
Os vinte minutos de conversa não serão esquecidos tão cedo. A ideia da finitude de uma vida une o pensamento destes dois escritores, que seguem suas vidas.
Em uma última pergunta, Felipe questionou se Roth viria algum dia para o Brasil. A resposta foi enfática, como as frases cortantes de seus livros: “Eu não participo de eventos”.
Bastidores
Confira abaixo o trecho da entrevista em que Felipe fala de sua relação com a morte e identificação com a obra de Roth: