Pandemia e isolamento social já eram uma realidade quando a baiana Mariana Sales, de 30 anos, se mudou para São Paulo, para um apartamento onde moravam outras três pessoas – todas desconhecidas – perto da Avenida Paulista. A praticidade pesou na decisão, junto com a oportunidade de ter companhia neste momento complicado. “São Paulo é a oitava cidade onde moro. Até procurei imobiliária para alugar alguma coisa, mas teria de mobiliar o apartamento, além de resolver a burocracia que vem junto, e ficaria difícil agora, com toda restrição de deslocamento”, diz.
Ela, então, escolheu um dos quatro quartos de um imóvel da Yuca, empresa de coliving que reforma apartamentos quase sempre grandes e antigos e coloca de novo para “rodar no mercado”.
Contratos simplificados, localização e interação entre os moradores são alguns dos atrativos dessa espécie de “repúblicas hipsters”, que cobram a partir de R$ 2 mil por um quarto, podendo chegar perto de R$ 5 mil. Sala, cozinha e banheiros são compartilhados. O modelo de negócio pode ter vários formatos, mas o público-alvo é quase invariavelmente formado por jovens, de 20 a 30 e poucos anos. Assim como outros negócios, o coliving também sofreu impacto inicial trazido pela pandemia, mas as taxas de ocupação mostram que se recupera rápido. Não sem mudanças.
Com o home office ganhando força e se transformando em uma opção permanente, a Yuca, onde Mariana fechou seu contrato, está vendo a demanda por bairros essencialmente voltados ao trabalho, como o Brooklin, na zona sul de São Paulo, se transferir para regiões com mais ofertas de serviços, como Pinheiros, na zona oeste, e Bela Vista, no centro. “Nosso papel é trazer as pessoas dos extremos para dentro da cidade. A decisão de onde morar pode ser mais influenciada pelo que o bairro oferece do que pelo trabalho a partir de agora”, afirma Rafael Steinbruch, cofundador da empresa.
A crise econômica, diz Steinbruch, também pode pesar a favor do coliving nos próximos meses. “Hoje temos uma crise sanitária, a próxima é econômica, o que posterga planos como comprar um imóvel. E, em vez de alugar um estúdio em Pinheiros por R$ 4 mil, R$ 5 mil, as pessoas podem alugar uma suíte por R$ 2,6 mil, R$ 2,7 mil. É uma opção mais acessível.” No início da pandemia, a Yuca tinha 90% de ocupação, foi a 75%, mas agora recupera as perdas e está em 92%.
Estudantes
No começo do ano, estimativa da consultoria internacional Bonard, especializada no setor, mostrava que 3 mil pessoas viviam em colivings no Brasil, mercado com potencial para chegar a 90 mil, levando-se em conta apenas estudantes universitários, público forte aqui e no exterior.
A consultoria calcula, porém, que os negócios exclusivos para moradia estudantil devem ter queda de 20% na ocupação no segundo semestre em todo o mundo, indo para algo em torno de 70% a 75%. O problema, aponta, são os estudantes internacionais, que não devem voltar agora.
Apesar de os jovens de fora não terem um peso grande nos colivings daqui, quem se dedicava exclusivamente a estudantes teve de mudar rápido o foco. Caso da Uliving, que passou a abrir as reservas também para jovens profissionais, medida que vai permanecer no pós-pandemia. “Estávamos avaliando abrir para não estudantes e antecipamos isso”, diz o CEO, Juliano Antunes. Ele viu a ocupação cair de 10% a 15% no início da pandemia, com a volta dos universitários para a casa dos pais. Em meados de julho, a taxa estava em 70% – era de 82% em fevereiro.
A Uliving usa prédios inteiros, como o do icônico Hotel Novo Mundo, na zona sul do Rio, e tem como atrativo as áreas comuns, que incluem coworking e terraço com piscina. Agora, os quartos compartilhados, mais baratos, praticamente acabaram e diversas mudanças foram feitas nos espaços de convivência.
“Os quartos compartilhados estão virando suítes individuais, com cama de casal, armário e mesa de estudos maiores”, afirma Juliano Antunes. “Nos coworkings, percebemos aumento na demanda por espaços privativos e criamos novos modelos, que são cabines individuais onde você pode trabalhar, fazer uma videoconferência, com higienização adequada. Aumentamos o espaçamento entre mesas e cadeiras. E temos um espaço independente para delivery, em que o morador não tem contato com o entregador.” Os novos moradores ainda são testados para covid-19, serviço pago pela empresa.
Uma das maiores do setor, a Uliving tem hoje 1 mil apartamentos em operação e manteve os projetos de expansão, com previsão de abrir mais 1,4 mil quartos. “Compramos dois prédios durante a pandemia. Só precisamos fazer ajustes nos projetos, que estão em diferentes fases”, conta Antunes.
Contato social
Fora de Rio e São Paulo, principais eixos dos colivings no País, Ricardo Neves, do Oka Coliving, em Porto Alegre, tem público mais velho – média de 31 anos – e vê na interação entre os moradores o pulo do gato do seu negócio. “Ser humano é um bicho social. E a interação nos colivings, com todas as medidas de segurança, são as possíveis agora”, afirma. “As casas acolheram essa falta de contato social externo.”
Ele, que começou em 2017 com uma casa e hoje opera 50 quartos em quatro colivings na capital gaúcha, também projeta um futuro pós-pandêmico de expansão. “Muitos prédios comerciais, especialmente os antigos, vão gradativamente começar a ser convertidos em residenciais, assim como alguns shoppings nos EUA, porque não conseguem mais se manter com ocupação alta de locatários de salas. Em muitos casos, esses prédios são propriedade de uma única família ou fundo e serão mais rentáveis e úteis servindo de moradia, provavelmente no estilo coliving”, diz. “É uma tendência que ficará mais forte a partir de agora.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.