Incêndio em galpão de mineradora no Pará reacende discussão ambiental em Barcarena

Publicado em 10 dez 2021, às 16h45. Atualizado às 16h46.

Por Marta Nogueira

RIO DE JANEIRO (Reuters) – Um incêndio em galpão de produtos químicos industriais da mineradora multinacional Imerys, em Barcarena (PA), nesta semana, reacendeu discussões sobre a necessidade de se realizar um licenciamento ambiental conjunto do importante complexo industrial no município.

O incêndio, que entra para uma extensa lista de ocorrências ambientais na região das últimas décadas, aconteceu na segunda-feira em um dos galpões da empresa francesa em sua planta de beneficiamento de caulim –considerada a maior do mundo–, dissipando fumaça e gerando temores sobre contaminação do ar, do solo e de rios.

As plantas industriais de Barcarena, como a da Imerys, têm licenças ambientais individuais, mas nunca foi feita uma avaliação dos impactos sinérgicos e cumulativos do complexo pelo poder público para que se possa entender o conjunto de impactos e a interação entre eles, segundo o Ministério Público Federal.

Dessa forma, quando há a ocorrência de um evento como esses, torna-se difícil verificar, com detalhes, até onde estão os impactos relacionados, disse à Reuters a procuradora da República Maria Olívia Pessoni Junqueira.

“Há a ausência de uma visão do poder público sobre os impactos ao meio ambiente e à população de maneira global”, afirmou Junqueira, que é titular de questões ambientais federais em Barcarena.

“As empresas acabam se beneficiando dessas circunstâncias. São tantos os impactos que não conseguimos identificar os responsáveis.”

Enquanto isso, o complexo, cuja vocação está voltada para a verticalização mineral e logística de agronegócios, está crescendo rapidamente, desacompanhado de medidas necessárias para assegurar a segurança da população e do meio ambiente, alertou.

Em março deste ano, o MPF solicitou a órgãos estaduais do Pará que atuem para retomar as tratativas e providências necessárias ao cumprimento de um Termo de Compromisso (TAC) assinado em 2016 para o monitoramento ambiental dos impactos cumulativos e associados das atividades das empresas do distrito. No entanto, a procuradora afirmou que as conversas andam bem devagar.

O TAC foi assinado por Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará (Codec) e Procuradoria-Geral do Estado (PGE), além do MP estadual e federal.

Segundo a Semas, o licenciamento do complexo industrial está em discussão.

SENTINELAS

O incêndio da Imerys desta semana chegou ao conhecimento do MPF rapidamente por meio de canais já estabelecidos com moradores devido a desastres anteriores, juntamente com outras acusações que não puderam ser confirmadas ou descartadas imediatamente, como de um possível despejo efluentes nos igarapés Curuperê e Dendê, o que a empresa nega.

A Semas informou que durante vistoria no empreendimento da Imerys a equipe de fiscalização aplicou três autos de infração: poluição do solo, poluição do ar e não cumprimento de comunicado de acidente ambiental.

Segundo a Imerys, o incêndio ocorreu “em uma pequena parcela do produto químico hidrossulfito de sódio”, substância que pode provocar irritação temporária do aparelho respiratório, caso seja inalada. Além disso, disse que a ocorrência foi controlada ainda na noite de segunda-feira e a fumaça “completamente dissipada em poucas horas”.

Mesmo assim, a população local relatou irritações respiratórias e na pele, fuga para locais distantes do incêndio, assim como temores sobre a possibilidade de contaminação mais grave, segundo o MPF. A planta da Imerys é separada de residências por apenas um muro.

“A empresa já disponibilizou apoio médico para as comunidades e, sem reconhecer responsabilidade, a pedido de autoridades, está também distribuindo água a determinadas comunidades e está colaborando com todos os órgãos e entidades responsáveis para auxiliar no que for aplicável e necessário”, afirmou a Imerys.

“Não há, por ora, qualquer indício de uma contaminação mais grave”, frisou.

O incêndio, que está sob investigação da empresa e de autoridades, não afetou a produção da planta de beneficiamento de caulim, que tem capacidade de 2 milhões de toneladas. Além dessa planta, a Imerys tem um porto na região.

Segundo a Semas, a empresa tem licenciamento ativo e está em processo de renovação sob condicionantes, em análise pela equipe técnica.

HISTÓRICO

Receios e acusações dos moradores da região –que dividem o espaço com áreas industriais e uma zona portuária– ocorrem após terem testemunhado diversos desastres ambientais no complexo ao longo das últimas décadas.

Em um levantamento feito pelo MPF em 2016, figuravam pelo menos 17 grandes acidentes ambientais desde 2000, incluindo cerca de cinco eventos de derramamento de efluentes da francesa Imerys.

Também estão na lista de problemas, atribuídos a diversas empresas que atuam na região, chuvas de fuligem, derramamento de coque em rios, mortandade de peixes, e até um naufrágio com um navio com 5 mil bois no leito do porto de Vila do Conde.

“A população está cansada… está bastante ressentida com todos esses impactos… infelizmente as respostas têm sido literalmente apagar incêndios”, disse a procuradora Junqueira.

“Eu espero que esse desastre possa ser um catalizador desse processo (de realizar um licenciamento). E a gente vai estudando outras medidas para viabilizar.”

Para ilustrar o problema, Junqueira pontuou que, no início deste ano, foi detectada em alta densidade no rio Pará, na região de Barcarena, uma substância chamada microcistina, produzida por cianobactérias, formando fenômeno conhecido como explosão de algas, deixando as águas esverdeadas e com cheiro forte e podendo fazer mal para a saúde. No entanto, não foi possível constatar a origem do problema.

A cidade de Barcarena, a 30 km em linha reta da capital do Pará, Belém, e com cerca de 100 mil habitantes, tem saneamento básico precário e depende amplamente dos recursos naturais da região, cuja população consome água de rios e de poços artesianos.

No mais recente desastre com grande repercussão, autoridades tomaram medidas contra um despejo de efluentes pela Hydro Alunorte, da norueguesa Norsk Hydro, no rio Pará, em 2018. Após o caso, a maior produtora de alumina do mundo anunciou investimentos em unidade de tratamento de água no local.

(Por Marta Nogueira)

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