Ventos da lembrança
Vivíamos no interior do interior e era ótimo.
Não se falava em periferia naquela época.
Um bambuzal sombreava a estrada de cascalho.
Vacas pastavam tranquilas depois da ordenha.
Eu seguia rumo às chácaras para ganhar a vida.
Enxada nas costas e mil histórias na cabeça.
Já sonhava com poesia naquele tempo distante.
Magrinha e muito delicada você subia a serra.
Ia para o colégio e eu te encontrava. Sorria.
Um “oi” e “boa aula” era nossa comunicação.
Eu seguia meu caminho e te levava na cabeça.
À noite, no curso técnico, eu fugia da realidade.
Mergulhava em pensamentos e te revia feliz.
Aquele sorriso matinal me enchia de alegria.
Altas horas, voltava para casa e perdia o sono.
Ansiava pela manhã e por aquela magia de “oi”.
E tudo florescia em mim, quando você passava.
Enxada nas costas, chegava ao pé do eito.
Trabalhava sem sentir cansaço e tudo era leve.
Sem perceber, as coisas se transformaram.
Meu corpo deu um salto, mas meu espírito, não.
Corri o mundo, vi realidades, inventei histórias.
Senti dores, medos e o amargo da derrota.
Em apuros, invocava teu sorriso e aquele “oi”.
E tudo urgiu, se modificou e eu envelheci.
Mudei de cidade, mas nunca deixei a poesia.
Dia destes, caminhando, vi um bambuzal.
Parei. O vento soprou. Juro que ouvi teu “oi”.
Jossan Karsten
Imagem: Pixabay