Tina exige respeito às mulheres em graphic novel

Publicado em 12 set 2019, às 00h00.

Os quadrinhos sempre foram uma das formas de arte e entretenimento mais populares de meados do século 20 para cá. Por isso mesmo, muitas vezes, servem também como um excelente meio de propagação de mensagens de cunho educativo e social. Este é o mote de algumas das histórias lançadas pela série Graphic MSP, que traz os clássicos personagens criados por Mauricio Sousa recriados por roteiristas e ilustradores do circuito independente nacional, especialmente convidados para cada empreitada. Depois de abordar a questão do racismo no livro centrado no garoto Jeremias, agora é a vez da jovem Tina estrear no projeto para abordar o assédio sexual às mulheres.

Agora neste mês de setembro chega às bancas e livrarias especializadas em quadrinhos Tina – Respeito (Panini Comics/Mauricio de Sousa Editora, 100 páginas). O título foi entregue pelo editor da série de graphic novelse braço direito de Mauricio nas publicações editoriais Sidney Gusman a Fefê Torquato. Catarinense de Imbituva mas tendo morado em Curitiba por cerca de duas décadas e meia, Fefê ficou conhecida pelas HQs curtas do blog A Vaca Voadora, feito em parceria com a amiga Bianca Pinheiro, também da capital paranaense (e que fez as duas Graphic MSP da Mônica), além da webcomic Gata Garota, que já saiu da internet e teve seu primeiro volume publicado pela editora Nemo. Outros livros de Torquato são independentes: (uma história de terror) e o álbum Estranhos (viabilizado através de crowdfunding).

Neste sábado, dia 14 de setembro, Fefê estará de volta a Curitiba para lançar Tina – Respeito, com tarde de autógrafos e bate-papo com os leitores na Itiban (mais informações sobre o evento você tem aqui). A autora conversou com o Ric Mais sobre seu trabalho com uma das mais emblemáticas personagens do universo MSP, a luta feminina contra o assédio no dia a dia e ainda a recente polêmica envolvendo uma obra de quadrinhos na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

Convite da MSP

“Isso aconteceu em agosto do ano passado. Quem indicou meu nome ao Sidão foi o Vitor Caffagi, autor das graphic novels da Turma da Mônica. Ele só conhecia meu trabalho com o preto-e-branco, mas foi ao meu site e viu que já vinha fazendo e postando trabalhos com aquarela. Então, desde o início, falei que queria fazer tudo, tanto o roteiro quanto a arte, utilizando aquarela também. O tema já estava meio definido antes, eu só desenvolvi algumas ideias em torno da história.”

Mensagens sociais nas HQs

“Acho uma obrigação dos quadrinhos primar por essas coisas. É bastante necessário ter posicionamento diante de coisas que são óbvias e polêmicas no dia a dia e discutir estes assuntos. Ainda mais quando se tem um universo tão popular como o do Maurício de Sousa. Pensa bem, eu nunca vou ter esse mesmo alcance nas obras independentes com os personagens que eu mesma crio ali. Já a Tina alcança várias faixas de idade e tipos de público também. É uma forma de comunicação bastante poderosa.”

Ligação com o tema

“Ao contrário da Tina, eu nunca trabalhei em um ambiente reunindo várias pessoas, como uma redação de jornal. Também nunca tive experiência própria com esse tipo de situação que está ali na história. Só que assédio, não só o sexual, é algo pelo qual toda mulher já passou algum dia. É improvável que ninguém tenha sofrido nenhum tipo de assédio. Não cheguei a falar com ninguém em específico para construir o roteiro, mas recorri a muita lembrança minha da infância até hoje. Este também é um assunto bem recorrente dentro do círculo de amizades e movimentos feministas que eu acompanho. Acabei fazendo uma compilação dessas informações todas.”

Organização espacial

“Nos extras do livro estão publicadas plantas que eu desenhei tanto para o apartamento da Tina como da redação do jornal no qual ela trabalha. Isso é uma coisa minha, fiz para entender minhas perspectivas de enquadramento, posição e movimentação dos personagens. Assim consigo localizar melhor as coisas e pensar melhor na hora de desenhar. Bom, minha irmã é engenheira. Então, a pedido dela, já fiz algumas plantas para trabalhos de decoração.”

Elipses temporais

“Comecei a consumir tarde HQs, o que não é muito natural nesta área. Então minhas referencias sempre foram os filmes e seus modos de com contar uma história em sua narrativa. Elas são boa ideia para se fechar um círculo da história. E na primeira parte de Respeito, então, a gente está no futuro, daí volta para confirmar tudo o que aconteceu.”

Colorização

“Aquarela é à base de muita água. Então é muita camada para esperar secar. Eu trabalhava em cinco páginas duplas em A3 simultaneamente. Levava uns dois dias para fazer uma parte de dez páginas. O que deu mais trabalho foi acertar os tons de pele, fazer misturas coerentes dentro do todo.”

Narrativa 1

“Tive de usar alguns recursos. A história da Tina não é fantástica, não é sci-fi. É apenas uma sucessão de acontecimentos cotidianos. Então, dependendo da forma de contar isso, pode ser algo entediante. Mais fácil ler um livro de literatura, então. A graça de fazer quadrinhos é como contar as coisas através da da imagem. Primeiro é colocar as pessoas sempre em movimento. Ninguém para de fazer o que está fazendo para falar, a vida não se congela para o diálogo. Então procurei contar visualmente histórias paralelas àquela que o leitor está acompanhando pelos balões. A disposição de balões e quadrinhos também foge da tradicional ordem de movimento do olho.”

Narrativa 2

“Mensagens de celular hoje se toraram uma forma eficiente de segurança para a mulher. É quase automático você estar em contato ali para que as pessoas saibam onde você está e se está bem. Então a Tina se comunica bastante com todo mundo desta forma. Com o pai, a mãe, a amiga Pipa, a colega de trabalho. E também existe uma coisa de minha geração para a frente que é um medo geral de ligação telefônica. Ficou tão mais prático mandar áudio para tudo agora.”

Easter eggs

“Como em toda Graphic MSP, nesta da Tina também tem bastante, mas o engraçado é que até agora não vi quase ninguém comentando a respeito disso. Para mim está tão óbvio, mas não sei se as pessoas estão achando as referências muito discretas. Desde pequena, quando lia as histórias do Mauricio, eu sempre achei que a Turma da Tina seria a Turma da Mônica mais velha. Pelos cabelos, pelo jeito dos personagens, as roupas. A Tina é a Mônica, a Pipa é a Magali, o Rolo é o Cebolinha… Então, coloquei vários detalhes ao fundo alimentando a teoria da conspiração a respeito disso, como se aquilo tudo fosse a vida paralela da Turma da Mônica. Também incluí detalhes a respeito de histórias da Tina recentemente publicadas.”

Amigos tradicionais

“Bom, já estava definido desde antes de eu ser chamada que esta seria uma história pessoal da Tina, da vida dela. Os amigos como Rolo e Pipa entram ali mas de forma bem coadjuvante, sem interferir muito no que está acontecendo. Mas o fato de não aparecerem bastante pode servir para impulsionar outras publicações tendo eles como personagens principais também. Quem sabe?”

Presença LGBTQ+

“A Tina é uma moça dentro dos padrões normais da sociedade. É uma menina branca, hétero, com privilégios como uma família normal e que conseguiu estudar e fazer a faculdade de Jornalismo. Mesmo assim, sem dar protagonismo, achava importante falar também sobre a mulher negra, a lésbica. Então bolei a história paralela da Kátia, que é a colega de trabalho no jornal, negra e lésbica. E fiz um paralelo entre a vida das duas na hora em que a Tina vai conhecer a família da Kátia, que enfrenta dificuldade maiores na vida, não tem pai, mora em um apartamento menor com a mãe, a irmã mais nova e um cachorro. Era extremamente necessário criar um pano de fundo com outros personagens que não fossem tão inexpressivos assim.”

Polêmica da Bienal

“O que ocorreu na Bienal do Livro do Rio foi um grande absurdo. O beijo é uma cena tão corriqueira na sociedade, nas próprias histórias em quadrinhos tem beijo a todo instante. Até o Cebolinha beija a Mônica. Mas o fato de ali, no livro dos Vingadores, ser um casal gay tomou uma dimensão tão surreal… Só que despertou também uma reação boa das pessoas, que fez o livro se esgotar logo. Nós que fazemos quadrinhos temos tanto trabalho para passar essas mensagens. Veja também que não é uma coisa fácil. Nesta história da Tina, algumas coisas tiveram de ser bem leves. Pensei inicialmente nela e os amigos indo para um bar para beber. Mas não dá para por cerveja ou bebidas alcoólicas porque também pega o público infantil. Então eles acabaram indo à lanchonete, tomar suco e comer batata-frita.”