A relva da manhã molhava meus pés. O ar gelado me impulsionava para a montanha. À distância, eu via o pico mais alto. De lá, podia perceber a crosta gelada daquele monte espetacular, digno de veneração.
Meu sapato de tecido de péssima qualidade umedeceu por inteiro rapidamente. Nos pés, a friagem. O sol despontou, mas parecia sem vontade de aquecer o chão. A mochila nas costas começou a pesar cada vez mais, como se me ferisse muito além da pele.
Sem mapa, não sabia com precisão onde estava. A noite mal dormida me fez sentir o cansaço já nas primeiras horas de caminhada. Eu despertara muito cedo. As estrelas brilhavam no céu quando parti pela madrugada. Precisava com urgência de um café sem açúcar. Precisava comer algo forte. O pico da montanha parecia me chamar. Em minha pequenez, senti uma vontade louca de desistir de tudo.
Um caminhão carregado de pedras negras veio ao meu encontro. Ele passou por mim com seus freios guinchando como animal ferido. Parei por menos de um minuto e observei o caminhão (único veículo que avistei desde o início da caminhada), se encobrir na curva. De novo, a solidão em mim naquela manhã gelada.
Revi minha vida enquanto andava com meus passos sôfregos e doloridos. Eu não sabia exatamente o que fazia naquele lugar, num país distante do meu, numa realidade completamente alheia à minha, até nos mais insanos devaneios. Mas, em meu íntimo, tinha certeza de que precisava estar ali, andar por aquele caminho, sentir o frio daquela manhã orvalhada e gelada e enveredar montanha acima, sem questionar se teria chances de subir, pelo menos até certa altura, ou não.
Na medida em que eu andava, um vento começou a soprar. Não avistava vivalma às margens daquela estrada estreitíssima. Uma fisgada na panturrilha fez com que eu parasse e me sentasse no chão. Um gavião surgiu em minha frente. Com seu voo de helicóptero, pairou por longo tempo, batendo suas asas, sem sair daquela posição. Momentos dois, o gavião mergulhou como uma flecha, fechando suas asas e tornou a subir. Vi que levava a presa em seu bico. Senti arrepios. Não era de frio.
Como que por milagre, junto ao capim, vi uma lasca de madeira. Peguei o material para usar como cajado. Nunca me vi fazendo aquilo, mas eu precisava aprender. Andar com um apoio me aliviou um pouco o cansaço. Não havia nuvens no céu, mas do nada, percebi que o dia ficou meio cinzento. Olhei para a montanha, antes branca pelo gelo, agora parecendo uma chaminé de fábrica.
As lavas misturadas à cinza rolaram monte abaixo. Espetáculo infernal. Parei, deixei a mochila no chão e, apoiado em meu cajado improvisado, observei a cena que se descortinava em um ato único, trágico, mortal. E a montanha ficou em chamas. Um cheiro estranho, parecido com enxofre, entrou pelas minhas narinas, alojando-se em meu cérebro de forma brutal e invasiva. Era hora de retornar. Aquele era o sinal para que eu não prosseguisse. Aquela erupção se mostrava para mim como um aviso de que minha missão, qualquer que fosse, se é que era missão, deveria ser interrompida naquele momento.
O gavião, alheio ao fenômeno, voltou o pairar. Notei que agora ele estava muito próximo de mim. A visão daquele pássaro me provocou arrepios, mas não senti a mínima vontade de correr, de me esconder. Quando ele mergulhou, foi num voo em diagonal. Como um raio, veio em minha direção e, com muita força, bateu em minha mochila, provocando um estalo choco. Ele saiu num rasante e eu pude ver em suas garras uma enorme serpente se debatendo. Sem saber nada de mim, o gavião me salvara. Ou aquilo também seria mais um sinal, um aviso? Não sei! Na verdade, enquanto seres humanos, nós pouco sabemos, pois evitamos sensações primitivas, como sentir e observar…
A terra tremeu por causa da erupção. Ouvi um barulho diferente e olhei para trás. Outro caminhão carregado de pedra descia a montanha. Fiz sinal ao motorista, mas foi com certa tristeza que vi o caminhão passar por mim, como o anterior, guinchando os freios.
Um sorriso iluminou meu rosto quando avistei a luz de freio do caminhão se acender e este parar com descargas de ar expelidas pelos tubos. Tentei correr, mas não havia mais forças em minhas pernas. Andei como pude, já temendo que minha carona se fosse. Uma fumaça fétida, a mesma que tapava o sol, invadiu minhas narinas. Minha cabeça doeu na hora. Foi com sofreguidão que consegui chegar até o caminhão. Um homem negro e muito magro me fez sinal para entrar. Antes de fechar a porta para a partida avistei o gavião sobrevoando a região mais uma vez. A serpente ainda voava com ele numa agonia purgatória que precede a morte em sacrifício.
Jossan Karsten