Metamorfoses – A influência do tempo na formação das etnias

Publicado em 29 maio 2020, às 00h00. Atualizado em: 4 jun 2020 às 15h35.

Diverssomos

 

“Tempo, tempo, tempo”… dizia uma canção de Caetano Veloso e também eu nestas linhas em outra vez. O fator TEMPO interfere em tudo, não é mesmo? Inclusive na formação do Ser Humano tal qual o conhecemos. Conforme já havia falado nos artigos anteriores muitas foram nossas versões prévias até chegarmos ao Homo sapiens. Tantas, que ainda se descobrem novas a cada dia. Arqueólogos, geneticistas e outras profissões explorando o elo perdido entre uma espécie comum a todos no início do início (a “versão” original, inclusive com os demais primatas) e as diferentes espécies do Homo, que depois voltaram a uma única espécie, o Homo sapiens. Verdadeiros detetives de nós mesmos, juntando enigmáticas peças para achar a cronologia do pré-humano ao humano. O pós-humano (pós Homo sapiens) ainda não sabemos como será nem com qual nome será batizado, mas provavelmente não será um humano “aleatório” ou apenas nascido espontaneamente, fruto exclusivo do decorrer da evolução natural por milhões de anos, já que agora temos livre-arbítrio e algum grau de autoconsciência e consciência (e inconsciência) coletiva e, com mais ou menos sabedoria, interferimos na natureza. A natureza não segue mais sozinha por um caminho; ela tem co-criadores já faz um certo tempo. Mas deixemos o futuro e seus riscos éticos, assim como suas boas possibilidades para outro artigo…

Continuando bem lá atrás, naquele longínquo passado, há cerca de três milhões de anos, na África, sabemos que houve metamorfoses de uma versão pré-humana para a outra ao mesmo tempo em que outras versões “corriam em paralelo”. Na realidade VIVIAM em paralelo, pois prefiro pensar não em versões pré-humanas meramente competindo entre si, numa luta pela sobrevivência, algo que até hoje muitos ainda gostam de estimular, numa errônea interpretação de que a seleção natural, conceito do naturalista, geólogo e biólogo Charles Darwin, se referia ao que chamamos hoje de “lei do mais forte”. Também já mencionei aqui que o conceito diz respeito à melhor capacidade de adaptação. Então, prefiro pensar no Vovô Piteco, da espécie robustus, colhendo suas sementes num canto da África, a Vovó erectus indo colher as suas em outro e assim por diante, tocando adiante suas “simples” vida de outrora. Simples no sentido de escolhas, perguntas existenciais, construção de sistemas e outros aspectos inexistentes na época, mas nada simples se considerarmos os perigos que viviam e superavam para se manter vivos. E assim, viviam na Mama África até que começaram a se deslocar naquele amplo continente. Caminhavam quilômetros. Lembro a vocês que aqui ainda não havia agricultura nem domesticação de animais… Até que uns se encontraram com os outros. Os vovôs e vovós Pitecos em suas diferentes espécies começaram inclusive a se reproduzir entre si e aí já começou a miscigenação.

Bem, se os diferentes Australopithecus não surgiram simultaneamente em várias regiões, como várias espécies diferentes estavam em diferentes pontos da África na mesma época? E se não são todas as versões apenas a evolução de um para outro no tempo, como em diferentes lugares (ESPAÇO) havia também Australopithecus similares? Igual. Diferente. Perto. Longe. Antes. Depois. Junto. Parecido. Próximos…, de algum modo, no tempo e no espaço. E falando em distâncias, vale lembrar que estamos falando da África, o que não significa “vou e volto num pulinho”. Perguntas inquietantes, não é mesmo? Nem todas respondidas pela ciência totalmente, na íntegra, nem definitivamente, pois à medida que as peças vão sendo encontradas, o quebra-cabeça precisa mudar novamente para acomodar as novas descobertas. Por isso a apaixonada e árdua busca pelo elo perdido… Futuramente convidarei especialistas detetives de nós mesmos para apaziguar um pouco das perguntas que não querem calar em nossas mentes! E podemos continuar indagando: o que tudo isso tem a ver com a fase contemporânea da História?

O fato é que tudo isso levou muito tempo, o que naquela época equivalia a alguns milhões de anos. Há registro de um ancestral de quase sete milhões de anos – o Sahelanthropus tchadensis. Então, como já aconteceu no artigo anterior, no qual não foi possível isolar o humano no ESPAÇO, pois o TEMPO toda hora acabou entrando na conversa, aqui, ao querermos isolar apenas o TEMPO isso é tampouco possível, pois estas diferentes versões pré-Homo, no caso as diferentes espécies de Australophitecus, já estavam há quatro milhões de anos em pontos distantes da África, como Tanzânia, Etiópia, Quênia e há três milhões de anos, na África do Sul, lááá na pontinha do continente… E “logo mais”, cerca de um milhão de anos depois, ou seja, há dois milhões de anos, o Homo erectus era o primeiro hominídeo a sair da África, chegando ao Oriente Médio. Não “brotaram” ali desde a origem dos tempos, simultaneamente ao vovô mais antigo lá na África, no Chade, mas bem mais tarde. Aqui estamos mencionando mudanças genéticas, obviamente não isoladas dos contextos ambientais do entorno destas avôs e avôs todos.

Ufa, pausa! Este pedido de pausa já aconteceu por aqui antes, outro dia. O assunto requer atenção e concentração! Afinal, estamos falando das nossas origens. Saber (coletivamente) sobre nossas raízes longínquas provavelmente nos ajudará, se quisermos, a prosseguir rumo ao futuro com mais discernimento sobre como agir como espécie neste solo planetário. Se a História é enorme, o quão gigantesca é a Pré-História!

E as perguntas sobre ETNIAS, nosso tema central, como ficam? Será que desde esta época já se formavam as diferentes etnias a partir de cada variação desta grande espécie/raça única humana? À medida que caminhávamos pelo continente-mãe, com migrações em maiores intervalos de tempo, e depois pelo globo, com grandes migrações, inclusive em massa, desde cem mil anos atrás, será que já estavam sendo “coloridas”, “desenhadas”, “cantadas” as etnias e seus respectivos traços, hábitos, sons, idiomas? Se já houve miscigenação desde os pré-Homo sapiens, os nossos avôs e avós africanos em suas variadas versões, o que dirá mais tarde com tantas migrações? Ainda assim, mesmo quando há milhões de anos os intervalos de tempo entre cada etapa migratória eram maiores que os das migrações do Homo erectus e do Homo sapiens em diante, mais próximas temporalmente uma da outra, fica difícil isolar (para fins de estudo e compreensão, que fique bem claro) os diferentes grupos… Quem era quem, afinal? Ou já começava aí nossa vocação para o atual estado DIVERSSOMOS de ser da Humanidade?

E o mistério continua no tempo e no espaço. Convido vocês, queridos leitores, a fazer hoje esta viagem no tempo, assim que acabarem esta leitura, ao se imaginarem não apenas no grande ESPAÇO África, como sugerido no artigo anterior, mas no TEMPO pré-histórico, na era Cenozoica (as fases Pangea e a Laurásia/Gondwana da Terra já tinham passado). Imaginem o seu dia-a-dia, o seu despertar, sua alimentação, seu descanso, seu adormecer naquelas longínquas eras, seus desafios, seus sorrisos (será que já sorríamos?), seu olhar para as estrelas e o contato com algo maior (será que a busca pelo sagrado e pelas divindades já acontecia nesta época, já fazíamos isso?). Será que já pensávamos sobre o dia anterior e sobre o dia seguinte? E curtíamos as paisagens ao nosso redor? Cantávamos diferentes canções nas savanas quentes do Chade ou no frio da África do Sul? Será…? Será?

Até breve!
HumAna Paula

Obs.: conforme indicado na abertura deste canal, os artigos da coluna DIVERSSOMOS não possuem finalidade científica, não são de teor acadêmico, mesmo que indiquem eventualmente fontes científicas, mas possuem o propósito de gerar reflexões sobre a diversidade étnica humana e propor contribuições para aproximar os leitores da riqueza de aprendizagem possível a partir das diferentes etnias da Terra.

Quer saber mais sobre as etapas evolutivas dos primeiros hominídeos?
Este vídeo, mesmo para quem não compreende o inglês, é bastante didático! Recomendo:
https://www.amnh.org/exhibitions/permanent/human-origins

E este link, já recomendado nos artigos anteriores, também é acessível e muito interessante:
http://www2.assis.unesp.br/darwinnobrasil/humanev2a.htm

E para quem estiver em SP, vale consultar se esta exposição da USP, que iniciou em fevereiro deste ano, continuará após a quarentena:
https://jornal.usp.br/universidade/eventos/instalacao-sobre-evolucao-humana-tem-replicas-de-ate-sete-milhoes-de-anos/

Foto do site: https://www.amnh.org/exhibitions/permanent/human-origins

Salvo indicado, todos os textos são de autoria de HumAna Paula e podem ser baixados e utilizados sem autorização prévia, desde que na íntegra, para fins educativos e citada a fonte (Humana Paula, no Portal RIC MAIS).