Karol Conka põe fogo no Rock in Rio com uma festa de celebração à diversidade
Cotação: ★★★★
Seis anos atrás, quando lançou o álbum de estreia Batuk Freak, Karol Conka mandava na faixa “Do Gueto ao Luxo” o verso “num dia Boqueirão, outro em Nova York”. Mal sabia ela o quanto estava sendo profética. Neste tempo decorrido, ela saiu da condição de destaque da cena hip hopda capital paranaense para ganhar o país e o mundo. Viajou várias vezes para se apresentar no exterior (em países europeus, sobretudo), assinou contrato para lançar o segundo álbum por uma gravadora multinacional, apresentou programa no canal GNT, cantou no show de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro e é hoje uma das principais cantoras da música brasileira, seja ela de qualquer gênero. Nesta sexta-feira, ao fazer a transição entre o fim de tarde e o cair da noite no palco Sunset, pôs à prova todo o seu poder de fogo no dia da abertura (27 de setembro) da versão 2019 do Rock in Rio.
Apostando em um criativo figurino rubro-negro com base na reciclagem de camisetas de grandes jogadores e times tradicionais da NBA e acompanhada pelo parceiro DJ Hadji nas picapes, o namorado Thiago Barromeo na guitarra e a percussionista Michelle Abu (cujo ecletismo a permite ainda integrar as Mercenárias e participar das bandas de apoio de Filpe Catto, Paulo Miklos e do programa global SóTocaTop), a rapper curitibana soube equilibrar bem o setpara fazer uma performance incendiária na Cidade do Rock. Começou com faixas ainda não muito conhecidas do novo álbum Ambulante e inseriu uma sequência de hitsque foi das antigas “Sandália” e “Boa Noite” e singles um pouco mais recentes como “Lalá” e “É o Poder”.
No miolo, chamou as duas convidadas especiais para esta apresentação. A diva drag Gloria Groove veio primeiro para mandar, sob bases pré-gravadas “Yo Yo”, “Bumbum de Ouro” e “Coisa Boa”. A MC trans Linn da Quebrada veio na sequência para as provocativas “Bomba Pra Caralho”, “Bixa Preta” e Necomancia” (esta em dueto com Groove). Enquanto isso, Karol se esbaldava dançando por todo o palco e ajudando em alguns vocais.
A presença do trio neste início de Rock In Rio é algo bastante significativo para marcar este momento da cultura nacional. É o grito de guerra da negritude, do feminino e de quem luta contra a discriminação ligada a gênero e sexualidade. Ver as três tocando fogo na plateia, que dançava ensandecida e acompanhava em uníssono seus principais sucessos, foi uma comunhão linda de se ver entre artistas e fãs. Algo no qual governante preconceituoso pode meter a sua colher, por mais vontade e contrariedade que tenha dentro de si. Conka, deliciosamente debochada como sempre, ajudava a esquentar ainda mais o clima. “Quem tem mais atitude de rock do que Karol, Gloria e Linn juntas? Com toda humildade, a gente é f***”, exclamou ao retomar o microfone principal, para, acompanhada pelas convidadas, soltar a voz em “Alavancô”.
De volta ao seu repertório, a curitibana ainda fez um cover do rapper Djonga (“Estouro”), pegou mais uma de Ambulante (“Vida Que Vale”) e terminou com uma seleção de quatro hits poderosos ( “Bate a Poeira”, “Gandaia”, “Do Gueto ao Luxo”, todas as três de seu primeiro álbum lá de 2013, mas com os arranjos bem modificados e muito mais pesados; e o single “Tombei”). Além da festa, o protesto também teve vez na voz das cantoras. “Pelo fim do genocídio da população negra! Parem de nos matar”, bradou Linn. “Fogo nos racistas”, mandou Karol.
Enfim, foi um concerto histórico para coroar/solidificar a resistência sofrida de um povo que nasceu e vive em um país marcado pela palavra diversidade. Seja musical, sexual, étnica. O verso “quando mamacita fala, vagabundo senta” vai fazer muito mais sentido depois deste show.