Gato, uma pequena casa, viagens pela imaginação e poesia em quadrinhos
Até alguns poucos anos atrás Deborah Salles e Sofia Nestrovski não se conheciam. Uma, porém, já admirava o trabalho da outra. Até que uma amiga em comum as apresentou. Deste primeiro encontro surgiu não apenas uma grande amizade entre as duas jovens, mas também a primeira obra artística em conjunto: a graphic novelViagem em Volta de uma Ervilha (Editora Veneta, 116 páginas), finalizada em 2019 e que estará sendo lançada pelas autoras neste sábado, em Curitiba (você tem aqui mais informações sobre o bate-papo e a sessão de autógrafos que irão rolar à tarde na Itiban).
Com arte de Deborah e texto de Sofia, o livro apresenta uma linguagem poética incomum para os quadrinhos brasileiros. Parte disto pode ser atribuída ao momento vivido pelas duas durante a criação e a confecção da história. “Fomos criando bastante intimidade. Muitas conversas, idas e vindas e o projeto acabou crescendo por conta disso”, conta a escritora. Na época eu estava fazendo um mestrado que era justamente sobre poesia. Estava trabalhando muito em casa. A Deborah, que havia acabado de se formar em designgráfico com um TCC em quadrinhos que ela um dia vai publicar, vinha muito aqui em casa para trabalhar nas coisas dela”. Para Sofia, a absorção da veia poética vem das coisas que ela. “Tinha com a Deborah muita parte silenciosa também. Aliás o silêncio possibilita um grande universo. Nele você fica imaginando o que está lendo, permitindo que a vida ganhe espaço dentro de você”.
A convivência constante explica, segundo as autoras, o grande intercâmbio entre os dois personagens principais: a casa de Sofia e a gata dela, curiosamente batizada Princesa Ervilha. “Estava escrevendo e lendo muito e tinha acabado de adotá-la. Sabe quando você passa muito tempo olhando para um gato e no final acha que ele é uma pessoa também?”, brinca ela, relembrando um pouco de suas fantasias caseiras. Este fato de considerar o bicho gente acabou levando a uma grande influência para o trabalho em quadrinhos que está sendo lançado: livros infantis que tivessem histórias centradas em crianças. “Um bom exemplo foi Eloise, criado nos anos 1950 pela americana Kay Thompson. Ali há uma menina rica que vive largada pelos pais, causando e provocando os adultos”. Uma criança malcriada que, em muitas horas, trazia paralelos com alguns momentos que foram desenhados por Deborah, nos quais P.E. acaba aprontando por toda a casa. Outro exemplo de referência, sobretudo para a arte, é A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília, publicado em 1945, escrito e ilustrado pelo italiano Dino Buzzati.
A arte de Viagem em Volta de uma Ervilha reforça a ideia dos voos da imaginação durante toda a sua história, na qual as próprias Sofia e Deborah se tornam coadjuvantes. Primeiro por explorar muitos espaços em branco em quase todas as páginas. “Quando fiz meu TCC percebo que o espaço em branco dava um respiro, aliviava o olhar. Ali era possível contar histórias também”, conta Deborah. Outro detalhe importante é o contraste do preto e branco com o uso de única cor extra. “Fizemos testes com outras cores, mas percebemos que não acrescentava em nada. Mas com o rosa, não. O rosa já é uma cor estranha, pouco natural, não está em todos os lugares. Aqui ele começa como uma descrição dos objetos e vai ganhando proporções maiores, para descrever o lugar de todas as coisas imaginárias que vão acontecendo”.
A parte final, Sofia acrescenta, também entrega várias coisas das quais a dupla gosta, numa série de ideias estranhas, piadas internas delas e easter eggs pessoais. Apesar de longo (quase dois anos de concepção até a impressão da graphic novel), elas garantem que o processo foi calmo e tranquilo, inclusive fazendo outros trabalhos paralelos individuas no decorrer da parceria. “Isso nos permitiu que fizéssemos muitas citações gráficas e textuais no livro. Não parávamos de olhar toda hora para o trabalho. Acabamos proporcionando mudanças até o último segundo antes de ir para a gráfica. Gritamos ‘parem as máquinas’!”.
Feliz com o resultado, as duas já planejam um novo trabalho em conjunto. “Nós temos umas ideias. Só vai ser tudo lento de novo. Afinal, a vida já é bastante corrida e pede tanto de todo mundo todo dia. Talvez em agosto de 2025 esteja pronto”, brinca Deborah.