Hora de tomar um café. Saio da minha sala de trabalho e ando pelo corredor. Estou no primeiro andar e subirei até o quarto (andar). Assim que abro a porta de vidro que divisa os setores, eu me deparo com eles. Sorriem para mim. Devolvo o sorriso. Estão felizes. Eu fico feliz também.

Seu José e senhora Edite. Ele, oitenta e sete anos. Ela, oitenta e seis. Casados há mais de sessenta anos. Três filhos, seis netos, alguns bisnetos… Estão no prédio para resolver coisas corriqueiras de documentação. Já estão desimpedidos e podem voltar para casa. José, que caminha com muita dificuldade e usa uma bengala de apoio, enverada para a escada. Dona Edite segura seu braço em apoio.

“Cuidado com a escada, Zé. Se você escorregar, vai me levar junto, homem do céu!”, graceja a senhora Edite e ri. Seu José ri mais ainda.

“A gente quando fica velho, tem que ter cuidado redobrado, senão, quebra os ossos. Mas, graças a Deus, que o espírito nunca se quebra”, diz ele e me olha. Intervenho:

“Por que vocês não usam o elevador?”, pergunto.

“Eu não sei lidar com isso, tenho medo de fazer alguma coisa errada e ficar presa lá dentro”, responde Edite.

“É, a gente não sabe mexer nesses botões…”, endossa José.

“Eu ajudo vocês. Podem entrar no elevador. É mais tranquilo e confortável”, digo, evidenciando as benesses da modernidade não tão moderna assim.

“Mas e lá, para sair, como a gente vai fazer?”, questiona Edite.

“Eu vou com vocês. Fiquem tranquilos”, falo.

Os dois abrem um sorriso largo. Sentem-se seguros, mesmo eu sendo um estranho. E neste curtíssimo trajeto, eles falam da vida, falam das dificuldades de ser idoso, mas deixam claro que nunca foram nem nunca serão pessoas tristes.

“A vida está aí para ser vivida. É como comer um bolo. Não se pode empanturrar da mesma coisa de uma só vez”, filosofa a senhora Edite.

“É sim. Quem come demais, pode explodir, já dizia meu pai”, responde José.

“Chegamos!”, digo, abrindo a porta para que eles saiam.

“O senhor me ensina a apertar esses botões. É mais fácil subir por aqui do que pelas escadas”, solicita a mulher com humildade.

“É bem mais fácil mesmo. A gente não corre o risco de cair”, concorda o senhor José.

“Com prazer. Venham aqui, por favor, vou ajudar vocês”, digo sentindo-me útil.

E, novamente, estamos nós três no elevador. Peço para que ela aperte os botões correspondentes aos andares e fazemos um verdadeiro tour pelo prédio.

“Zé do céu, vamos perder o ônibus!”, diz a senhora Edite, preocupadíssima.

“Ah, se perder um, vem outro, não é mesmo?! Temos a vida toda para andar de ônibus”, diz José e gargalha.

Descemos novamente ao térreo e eu os acompanho até a saída. Ao passar pela portaria, Edite olhar para o porteiro com um sorriso aberto e diz:

“Aprendemos a usar o elevador. Isso é muito bom. Agora temos liberdade e segurança. É só apertar os botões e pronto”, fala e o porteiro, sem nada entender, concorda com um resmungo e um aceno de cabeça.

“Então tchau, seu moço! Muito obrigado por tudo. Apareça lá em casa para um café”, convida seu José e os dois saem.

Agradeço e, então me lembro de que eu havia saído da sala, justamente para tomar um café. Volto-me para a porta e, quase dobrando a esquina, em direção ao terminal de ônibus, eu avisto o casal. De mãos dadas, na mais bela e romântica manifestação de cumplicidade e amor, os dois se vão alegres, descontraídos e com as energias renovadas. Aprenderam coisas novas. Agora eles sabem usar um elevador. Parece pouco, mas não é. A partir de hoje, eles têm a liberdade ao alcance das mãos, ao toque dos dedos.

“Mais de sessenta anos juntos!”, balbucio enquanto caminho em direção ao elevador e o porteiro me olha.

“Está ficando maluco? Anda falado sozinho?!”, diz o homem.

“Só estou pensando alto”, respondo.

“Sei!”, desdenha o porteiro.

Entro no elevador e subo. O café de hoje tem um novo sabor, o sabor da solidariedade e do aprendizado. Há vida em abundância nos pequenos gestos. Mal posso esperar para fazer uma visita e tomar um café na casa de Edite e José. Com certeza, voltarei abastecido de novas e belas histórias. Os dois, em sua simplicidade, têm o dom de incutir esperança e força de vontade em quem deles se aproxima. Acho que fui o escolhido e a isso, sou muito grato.

Acredito que a jovialidade, a bondade e a alegria de viver a vida, nada têm a ver com idade, com dinheiro, poder e afins. Para mim, José e Edite serão sempre um jovem casal em busca de novidades, à procura de razões para serem felizes. O sorriso dos dois, sem sombra de dúvidas, será a inspiração para que eu não deixe de viver intensamente o dia de hoje, mesmo ante as dificuldades, os medos e a incerteza. Neles, deposito minhas esperanças no amanhã e no efeito curador que há na alegria de simplesmente ser.