Atípico domingo

Publicado em 12 mar 2020, às 00h00. Atualizado em: 5 jun 2020 às 11h25.

Todos pensavam que era um domingo qualquer.

As portas foram abertas logo que o dia clareou.

A máquina de assar carne foi ligada, o balcão limpo.

E o povo foi chegando. Encomendas anotadas.

Uns compravam para o domingo, outros para a semana.

Bebidas, legumes, algumas frutas, maionese. Coisas comuns.

E o aroma de carne assada invadiu toda a rua.

 

Primeira semana do mês. Os devedores acertavam as contas.

E não tardou que os vagabundos e bêbados chegassem.

Pessoas alegres que nada tinham a perder. Apenas viviam.

Gente humilde. Alguns esquecidos, sem família, sem lar.

Chegavam, pediam um trago. Encomendavam carne.

Mas no ar, uma sensação de despedida, de fim de festa.

As lágrimas não tardaram a descer pelos rostos sofridos.

 

“Este é o último dia de atividade. Fecho as portas à tarde”, anunciou.

Ninguém acreditava naquele fim inesperado, sem alarde.

“Estamos de mudança. Hoje mesmo carregamos tudo”, tornou a dizer.

E em pouco tempo, o ambiente foi tomado pela emoção.

O domingo não seria o mesmo. Tudo havia mudado.

Muitos, mal engoliram o almoço. Voltaram. Dariam sua contribuição.

Tudo tinha que ser feito do jeito certo. Haveria despedidas sim.

 

Pelo meio da tarde, o caminhão chegou. O desmonte começou.

Prateleiras, gôndolas, móveis, geladeiras. Tudo retirado.

Os vagabundos, tristes, uniram forças e ajudaram a carregar.

Cada um que ali estava, intercalou a solidariedade com um gole.

“Esta rodada é por minha conta”, anunciou o proprietário.

Mas o que antes era motivo de festa, agora era tristeza.

Pela noite, tudo estava dentro do baú e o imóvel vazio.

 

Nada mais restava. O povo não ia embora. Choros. Lamentos.

Mas não havia tempo a perder. O motorista tinha pressa.

Foi-se o caminhão pelas ruas da cidade, sentido rodovia.

Rumo ao Oeste, eles partiram na madrugada de segunda-feira.

A saudade insensível, não dava trégua para ninguém.

Sofreram os que ficaram. Sofreram os que se foram.

Mas esta é a vida. Seguir em frente, é da lei.

 

Rumo a outras terras, segue o caminhão carregado.

Além de pertences, há sonhos preciosos nesta carga.

A ânsia pela busca é motriz das mentes afoitas, inquietas.

Novos ares são respirados. Um lugar novo se descortina.

E o tempo deixa suas marcas que vão sarando aos poucos.

A vida tem que continuar, aqui, lá, seja onde for.

Que o amor seja o guia desta existência. Que tudo floresça, pois.

 

Jossan Karsten