Lutadoras bolivianas voltam ao ringue após protestos

Publicado em 28 nov 2019, às 00h00.

Foto: Ronaldo SCHEMIDT / AFP

Com sua saia típica ondulante de um verde intenso, a lutadora Lidia Flores se lança da segunda corda do ringue ao ar e cai com toda a força sobre seu oponente masculino. As “cholitas” lutadoras voltam ao quadrilátero do clube Tubarões do Ringue, após a suspensão deste espetáculo por duas semanas devido aos protestos e bloqueios em El Alto, uma cidade em expansão vizinha a La Paz.

A multidão ruidosa de homens idosos, mulheres jovens e pais com crianças pequenas grita e lança impropérios enquanto as indígenas lutam. Vestidas com “polleras”, saias tradicionais de várias camadas, e longas tranças, as lutadoras giram, chutam, batem e puxam o cabelo em um espetáculo caótico que com frequência sai do quadrilátero.

Flores, conhecida neste mundo como “Dina, a rainha do ringue”, diz que a luta livre é um bálsamo contra a pressão que suporta diariamente em seu trabalho como cozinheira em um restaurante. “A luta acaba com o estresse”, afirma Flores, de 44 anos, pouco antes do início do espetáculo e enquanto distribui folhetos para as pessoas que caminham em um mercado de rua próximo ao clube.

Depois de uma pausa de 15 dias, Flores, que luta há 12 anos, está “muito ansiosa” por voltar ao ringue. “Com esses problemas, com tantos bloqueios – não havia nada para comer -, foi muito estressante”, afirma, com o chapéu preto que as mulheres indígenas usam.

Os protestos após as eleições presidenciais de 20 de outubro, impulsionados pela oposição que acusa Evo Morales de ter fraudado sua reeleição, dificultaram e puseram em risco a vida dos habitantes de El Alto, bastião do agora ex-presidente. O bloqueio de uma fábrica de combustível terminou com a morte de oito pessoas quando as forças de ordem dispararam contra os manifestantes.

Dois dias depois, a polícia lançou gases lacrimogêneos contra uma marcha em La Paz, na qual os manifestantes carregavam cinco dos cadáveres em caixões para pedir justiça e a renúncia da presidente interina, Jeanine Áñez, que se autoproclamou no cargo depois da renúncia, em 10 de novembro, de Morales, que se exilou no México. “Foi a primeira vez (em oito anos) que tivemos que parar por um conflito”, explica a organizadora do espetáculo, Marie Peñaranda, de 30 anos, enquanto vende entradas por 20 bolivianos, cerca de 3 dólares.

As tensões diminuíram no fim de semana após a aprovação de uma lei para convocar novas eleições e as negociações entre o governo provisório e os manifestantes com o objetivo de deter os distúrbios.

Foto: Ronaldo SCHEMIDT / AFP

Terapia acessível

A enfermeira geriátrica Ana Luisa Yujra, mais conhecida nos ringues como “Jhenifer duas caras”, diz que o espetáculo é uma terapia “acessível” para as pessoas depois de tanta violência. “Gosto de mostrar a habilidade, a agilidade e a capacidade que uma mulher pode ter”, diz.

Flores, vestida com um chale do mesmo tom verde de sua saia, sobe ao ringue e lança seu chapéu no chão. Em sua preparação para o combate de pares mistos contra Yujra, a lutadora realiza alguns saltos mortais que deixam à mostra as camadas se sua “pollera” e sua roupa interior. “Gosto de como lutam (…), com as ‘polleras’, é incrível”, disse Martha Mayta, de 28 anos, que assistiu ao espetáculo na primeira fileira.

Depois de um combate salpicado de referências à crise política que afeta o país, Yujra e seu companheiro masculino, vestido com calça vermelha brilhante e camiseta combinando, são declarados ganhadores. Visivelmente exausta, Flores joga beijos para seus fãs enquanto abandona o ringue em direção ao vestiário improvisado. “Me sinto mal”, afirma. “Estou realmente cansada e sem fôlego”.

Foto: Ronaldo SCHEMIDT / AFP