Para a Fórmula 1, Mônaco deixou de ser apenas o principado rico e luxuoso sede da corrida mais tradicional da categoria. O pequeno país tem agora um vínculo mais forte com o automobilismo, graças ao talento fulminante do filho prodígio da terra, Charles Leclerc. O piloto da Ferrari, de 21 anos, venceu as duas últimas etapas da temporada e se torna o candidato mais forte a tomar o domínio de Lewis Hamilton na categoria.

Leclerc conquistou as pole positions e as vitórias na Bélgica e no último domingo, em Monza, ao mostrar uma maturidade exemplar. Logo no primeiro ano de Ferrari e apenas na segunda temporada na Fórmula 1, o monegasco superou o rendimento do companheiro de equipe, o tetracampeão Sebastian Vettel, e desponta com chance de se tornar o grande nome da categoria no futuro.

O piloto colhe atualmente os frutos de uma carreira planejada a longo prazo, quando ainda era um garoto. Leclerc entrou há três anos para a Academia da Ferrari, projeto voltado à formação de talentos. Porém, a trajetória também contou com duros golpes, principalmente na perda de pessoas próximas e de referências, tanto no automobilismo como em sua vida pessoal.

As primeiras voltas de Leclerc pelas pistas de corrida foram perto de Mônaco, na cidade vizinha de Nice, na França. Por lá, o monegasco se tornou amigo do filho do dono da pista onde corria. Era um garoto oito anos mais velho chamado Jules Bianchi, de quem se tornaria afilhado. Bianchi também fez parte da Academia da Ferrari e virou um espelho ao amigo mais novo, com quem ia à pista para treinar e orientar no melhor acerto do kart.

A amizade foi interrompida pela tragédia no GP do Japão de 2014. Bianchi saiu da pista, bateu em um trator e passaria meses internado em coma até morrer, em julho de 2015. “Eu nunca me recuperei dessa tristeza. Talvez eu nunca consiga. Mas eu nunca tinha dúvida sobre continuar ou não. Tudo o que sempre quis foi correr”, disse. O monegasco na época já havia deixado o kart para se destacar na Fórmula 3, para orgulho da família. O pai, Hervé Leclerc, foi piloto e incentivou os três filhos (Lorenzo, Charles e Arthur) a seguirem a mesma carreira.

Para a tristeza deles, o pai morreu aos 54 anos, em junho de 2017, de causas não reveladas. Na ocasião, Charles Leclerc já brilhava na Fórmula 2, principal categoria de acesso para a Fórmula 1. E, depois de acompanhar o funeral de Hervé, viajou rapidamente para Baku, no Azerbaijão, onde disputaria uma corrida. Ainda antes de completar 20 anos e com o lado emocional abalado, o monegasco foi pole position e venceu as duas baterias disputadas.

“Têm sido dias de emoção até agora e fiz bom resultado para deixar meu pai orgulhoso. Eu quero agradecê-lo por tudo que ele fez por mim. Se eu estou na Fórmula 2 é por causa dele. Ele me colocou no kart e, até daqui três dias, ele estava lá para me dar as pequenas dicas, especialmente para Mônaco. Preciso agradecer mais que nunca”, afirmou Leclerc naquele fim de semana.

No mesmo ano, o piloto conquistou o título da Fórmula 2 e arrumou vaga na Sauber no seguinte. O estilo arrojado fez Leclerc mudar de papel e passar desta vez a ser exemplo para outros pilotos iniciantes. Quem havia se tornado o grande fã dele era o francês Anthoine Hubert, amigo desde os tempos do kart. Já em 2019, enquanto o monegasco comemorava a promoção para a Ferrari, o amigo vibrava com a vaga na Fórmula 2.

Mas novamente o destino foi cruel. No fim de semana passado, Hubert morreu em um acidente fatal na Bélgica, pela F-2, no mesmo fim de semana da primeira vitória de Leclerc na Fórmula 1. Emocionado, o monegasco pouco comemorou o feito, porém teve a chance de celebrar uma semana depois. Vencer em Monza, com a Ferrari e em fim de semana de tamanho domínio no GP da Itália, lhe deu ainda mais alegria.

“Não tenho palavras para descrever as emoções que eu senti durante a corrida. Depois da corrida, no pódio, tudo que senti foi dez vezes mais forte do que tudo que já passei. Foi muito especial”, afirmou Leclerc. A menos de um mês de completar 22 anos e com uma carreira tão promissora pela frente, é provável que todas as emoções vividas em Monza sejam repetidas no futuro.