Ex-líder da UDR é condenado pela terceira vez por assassinar camponês
O ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná, Marcos Prochet, foi a juri na tarde desta quinta-feira (24) e novamente foi considerado culpado depois de 23 anos pelo assassinato do camponês Sebastião Camargo.
A condenação já é a terceira feita por júri popular contra Prochet. Outros júris de mesmo julgamento ocorreram nos anos de 2013 e 2016. No entanto, as duas condenações foram anuladas pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Passados 23 anos do assassinato do trabalhador, o processo é marcado pela lentidão do sistema de justiça, recorrentes adiamentos do julgamento e violação da decisão soberana do júri popular.
“Nos traz algum conforto, porque a gente percebe que, passe o tempo que passar, passem os recursos que passaram, as decisões tomadas pelo povo em júri popular sempre vem no sentido de trazer justiça, ainda que tardia. Isso não nos traz o Sebastião de volta, isso não nos tira a marca de tanta violência pelo qual a gente passou nos anos 90, mas traz muita fortaleza de saber que a história é justa e traz a verdade à tona”
Ceres Hadich, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sobre a decisão desta quinta
Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná. Na área haviam 300 famílias. Além do assassinato de Camargo, 17 pessoas, dentre elas crianças, ficaram feridas.
O agricultor deixou esposa e cinco filhos, entre eles Messias Camargo, que se emocionou ao comentar a decisão. O rapaz disse que se sente satisfeito com o resultado desta quinta e que Prochet merece pagar pelo que fez.
Durante o julgamento a promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná, Ticiane Louise Santana Pereira, destacou como o caso se apresenta como singular na justiça brasileira: por ter tido dois juris populares anulados, pela duração de 23 anos do processo e pela responsabilização do Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Estado brasileiro em 2009, em razão da lentidão e não responsabilização dos envolvidos pelo sistema de justiça brasileiro. O júri foi presidido pelo juiz Daniel Ribeiro Surdi de Avelar.
Esposa testemunhou o ocorrido
A camponesa Antônia França é a principal testemunha de que Prochet assassinou Sebastião Camargo. Ela estava deitada ao lado de Sebastião quando ele foi executado. Ao relatar durante o júri, a trabalhadora resgatou como foi o fatídico dia.
Segundo Antônia, as famílias acampadas não estavam armadas. Os jagunços chegaram encapuzados e pediram para o casal deitar no chão. Dona Antônia deitou e Sebastião, por conta de um problema nas costas, não atendeu ao pedido. Foi neste momento que Prochet disparou contra o camponês. A mulher conta que na hora do disparo, o líder da UDR levantou o capuz. Ela já o reconhecia de meses atrás, quando Prochet tirava os acampados das áreas com ajuda da polícia.
Seis pessoas viram Marcos Prochet no momento da desocupação – quatro delas viram o momento em que Sebastião Camargo foi morto, e reconhecem o ruralista como autor do disparo.
Argumentos de defesa
Os principais álibis apresentados por Prochet eram seus próprios funcionários. Ao longo dos 23 anos de processo, a defesa apresentou dois roteiros diferentes dos possíveis trajetos que Prochet teria feito em Londrina, na manhã do crime. As contradições presentes nas duas versões somam para a afirmação de que ele participou dos despejos em Marilena.
Diferente da narrativa usada pela defesa de que Prochet sempre agiu dentro da legalidade, a acusação apresentou durante o júri trechos de entrevistas concedidas pelo ruralista a veículos de comunicação. Um ano após o crime, Prochet disse à uma reportagem do jornal O Estado do Paraná que “o único recurso que temos é a lei da selva e os fazendeiros estão se armando. Ao contrário da solução dessa pacífica, os fazendeiros precisam se unir e se organizar para defender suas terras, quase todos eles têm armas para defender suas armas. Não gostaríamos de atirar nos sem terra, só que se os ânimos vão se exaltando e como não existe policia e nem respeito a lei, de repente pode ter um conflito”
Condenações tardias
O ex-presidente da UDR – associação de proprietários rurais voltada à “defesa do direito de propriedade” – é a quarta pessoa a ir a júri popular pelo assassinato de Sebastião Camargo. Teissin Tina recebeu condenação de seis anos de prisão por homicídio simples, no entanto não foi preso porque a pena prescreveu. Já Osnir Sanches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de segurança privada, utilizada para recrutar jagunços e executar despejos ilegais. Ele cumpre prisão domiciliar, por questões de saúde. Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado, mas recorreu da decisão.
Denunciado apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná – FAEP, ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também foi apontado como envolvido no crime, mas a decisão judicial que determinava o julgamento de Tarcísio por júri popular foi anulada em 2019.