O avanço do coronavírus não está causando só preocupação e medo. Diante das dificuldades que grupos de risco, como os idosos, e profissionais que não têm outra fonte de renda podem enfrentar durante o período mais crítico da doença, pessoas estão criando redes de solidariedade para oferecer ajuda para ir ao supermercado ou à farmácia e manter o pagamento de prestadores de serviço.

A instrutora de mindfulness Natasha Bontempi, de 38 anos, decidiu transformar o medo do coronavírus em ação. Ela criou modelos de cartazes para serem impressos e colocados em áreas públicas de condomínios, com os nomes de moradores que se oferecem para fazer compras aos vizinhos que não devem sair de casa. Os layouts podem ser baixados e impressos por qualquer um.

“Tenho refletido muito em como posso ser útil sem entrar no pânico”, diz Natasha. “Vejo gente brigando por papel higiênico, discutindo em grupos na internet. Decidi que não vou entrar nessa neurose e fazer algo positivo. É na gentileza que está a saída.”

Os cartazes chamaram a atenção da publicitária e jornalista Priscilla Torelli, de 47 anos, que divulgou a proposta no Instagram voltado a moradores do bairro Vila Buarque, na região central de São Paulo. A iniciativa logo conquistou seguidores. “A ideia primeiramente é de que a pessoa doaria parte do seu tempo para ajudar alguém que está no grupo de risco para ir ao mercado ou à farmácia. Ela deveria colocar (no cartaz) de onde é e perto de onde mora para que quem precisa peça ajuda.”

Não demorou para que a estratégia ganhasse adesão. Subsíndico de um prédio em Santa Cecília, na região central, o cineasta Eduardo Lima, de 38 anos, colocou o aviso no edifício ontem. “Além disso, estou tentando comprar kits de luvas. A ideia é manter distância de dois metros da porta dos idosos. Ainda estamos aprendendo sobre isso.”

A estratégia da servidora pública Fernanda Salvadé, de 36 anos, moradora da Asa Norte, em Brasília, foi ainda mais simples. Ela escreveu a mão mesmo, em folhas de caderno e com letras grandes, um recado curto: “Se você tem + 60 anos, posso ir ao mercado p/ vc, sem problemas ou custo. Só me avisar antes p/ eu me programar”. Ela colou as folhas nos elevadores, na entrada do prédio onde mora. Fernanda sabia que, se recorresse ao computador para digitar um bilhete comum, seu recado seria apenas mais uma mensagem entre cartas e recados de condomínios que ninguém lê. As letras redondas também tinham o propósito de facilitar a leitura para quem tivesse dificuldades para enxergar.

“Resolvi fazer algo. Moro em um prédio que tem muitos idosos. Como os apartamentos são de um dormitório, muitos deles vivem sozinhos”, disse. “A gente não pode ficar só à mercê de uma atuação pública. Tem de pensar em algo que vá além de sua condição pessoal, e no dia a dia. Ver o outro e o que pode fazer para ajudar, algo em prol da coletividade.” E já está ajudando. Fernanda recebeu mensagens de agradecimento e moradores já disseram que devem pedir ajuda para compras em supermercados e farmácias.

Diaristas

Há também quem se preocupe com funcionários autônomos, que correm o risco de ficar sem o ganha-pão durante a crise. A editora de livros didáticos Carolina Yamamoto, de 38 anos, pretende manter o pagamento da prestadora de serviço que cuida da sua casa há dois anos e meio, mesmo se não for mais possível que ela continue indo trabalhar.

“Certamente, a renda dela vai cair. Espero que outras pessoas continuem com o serviço. Se ela parar de receber, não vai poder comer nem comprar um remédio. Ela tem um filho, é uma batalhadora e nunca me deixou na mão.” Já a bancária Glauce Christina Blasques Saad, de 38 anos, conta que também pretende negociar para não deixar a diarista na mão. “Espero que essa situação ajude a inspirar as pessoas a pensar no próximo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.