Especialistas alertam sobre gravidade da pandemia e medidas a serem adotadas
‘Temos de fazer testes maciços e incentivar isolamento de idosos’
Virologista da Universidade de São Paulo (USP) responsável pela pesquisa de vírus emergentes, Paolo Zanotto lança, em tom dramático, um apelo público para enfrentarmos imediatamente o novo coronavírus. É preciso implementar – já – medidas de testagem em massa e distanciamento social, se quisermos evitar um colapso total do sistema de saúde por causa da covid-19, afirma. Segundo ele, não dá para esperar mais.
A seguir, confira a entrevista de Zanotto ao Estado:
Por que o senhor acha que devemos apressar as medidas de isolamento no Brasil mesmo ainda tendo poucos casos de covid-19? Muitos especialistas acham que podemos esperar…
Não importa o que os especialistas acham, a opinião deles. O que importa, em ciência, são os fatos. Então, é só olhar para o que está acontecendo no mundo, olhar para a curva epidemiológica dos outros países.
E o que essas curvas nos mostram?
Os países que tomaram as medidas mais precocemente, como Cingapura, Japão, Coreia do Sul e Hong Kong, conseguiram manter a curva de crescimento dos casos mais achatada e evitaram o crescimento exponencial do número de casos. Por outro lado, Itália, Irã, França e Estados Unidos estão tendo um crescimento exponencial. Na Lombardia, uma das regiões mais ricas da Itália, o sistema de saúde está em colapso total porque demoraram a agir. Faltam respiradores, e os mais idosos estão sendo deixados para morrer para que os mais novos possam ser salvos. Não estou tentando disputar ideia de especialista, estou falando sobre fatos, como cientista isso é mais importante do que opinião. Estou tentando mostrar e alertar a sociedade e gestores.
Quais medidas deveriam ser adotadas?
Precisamos testar o maior número possível de pessoas, fazer uma testagem maciça mesmo. Temos de isolar os que estiverem com a covid-19 e seus contatos mais próximos. Paralelamente, é preciso adotar e ampliar medidas de distanciamento social, como evitar aglomerações, incentivar o trabalho e o estudo em casa, o isolamento dos idosos. As curvas de crescimento da doença estão mostrando um comportamento ascendente moderado nos países em que essas medidas foram implementadas no momento correto. Eles estão conseguindo controlar o surto porque fizeram intervenções antes do crescimento exponencial e conseguiram impedir a saturação do sistema hospitalar.
‘Pandemia atual é pior do que Sars em muitos sentidos’
Professor da Universidade de Michigan e envolvido nos planos de emergência dos Estados Unidos contra infecções emergentes, o infectologista Sandro Cinti avalia que muitos estão em pânico com o coronavírus por receberem mensagens contraditórias sobre o problema. Ao Estado, ele frisa que a maioria dos infectados não vai apresentar nada mais grave. Mas que medidas drásticas são importantes para proteger os mais vulneráveis.
Muitos países estão anunciando medidas drásticas. Com isso, está havendo pânico na população. Está havendo um exagero?
Não. Temos pânico porque, por um lado, estamos dizendo às pessoas que elas não devem se preocupar, que a situação não é muito grave. Mas, por outro lado, estamos anunciando medidas mais drásticas, como isolamento de cidades, cancelamento de eventos. As pessoas estão confusas diante de duas mensagens aparentemente contraditórias.
Mas elas não são contraditórias? Estamos fazendo o certo?
Sim, são medidas necessárias. É a mitigação comunitária. A doença, para a maioria, não será um problema. Mas para pessoas mais velhas e com outras condições de saúde (cerca de 20% da população), pode ser muito grave. O que estamos fazendo é tentar proteger os mais velhos e vulneráveis.
Um dos temores em vários países é sobrecarregar o sistema de saúde. Na Itália estão faltando respiradores. Como evitar isso?
A mitigação comunitária tem por objetivo também diminuir o impacto nos hospitais. Se reduzirmos o número de internações, teremos menos problemas como falta de leitos.
Então faria sentido que o Brasil, ainda com poucos casos, adotasse medidas de isolamento?
Sim. Até porque, de forma geral, a probabilidade é de termos muito mais casos do que os registrados. Se os planos de mitigação funcionarem, vamos sair disso com muito menos mortes. É claro que, lá na frente, se nada de mais grave tiver acontecido, vão dizer que exageramos. Quando as medidas funcionam, ninguém percebe.
Essa é a pior epidemia que vivenciamos desde pelo menos a da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), em 2003?
A letalidade da Sars era muito mais alta (cerca de 10% dos casos), mas ficou muito mais limitada. Essa pandemia é mais grave. O vírus é menos virulento (a letalidade média é de 3,4%), mas teremos número de mortes muito mais alto porque se dissemina mais facilmente. Então, sim, é pior do que a Sars em muitos sentidos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.