O impacto de uma pandemia que já infectou 10 milhões de pessoas e exigiu respostas rápidas de governos ao redor do mundo permitiu o avanço de agendas autoritárias de líderes que se aproveitaram da crise para ampliar o próprio poder. Mas, segundo especialistas, o vírus também expôs as fraquezas de vários regimes populistas.

De acordo com especialistas, a ausência de uma resposta padrão torna mais difícil prever como os populistas sairão da crise. Alguns, como Donald Trump, nos EUA, Andrés Manuel López Obrador, no México, e Jair Bolsonaro, no Brasil, preferem o negacionismo. Outros, como Viktor Orbán, premiê da Hungria, e Narendra Modi, da Índia, impuseram e rígidas medidas de restrição, estratégicas também para dificultar protestos, desmobilizar a oposição e demonstrar força.

Professora de política comparada da Universidade de Reading, no Reino Unido, Daphne Halikiopoulou diz ser “possível e provável” que uma mesma crise fortaleça alguns líderes populistas e enfraqueça outros. “Em circunstâncias que envolvem instituições frágeis, os líderes têm maiores chances de se aproveitarem disso, como historicamente tem acontecido.”

A capacidade de partidos e líderes de capitalizar a crise é um fator determinante. “O fechamento das fronteiras, o fortalecimento do nacionalismo e a crise econômica, por exemplo, são oportunidades para a extrema direita”, diz.

Nos EUA, Trump recusou-se a ouvir especialistas por dois meses. Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde e foi à TV repetidas vezes pedir o fim da quarentena. No Reino Unido, o primeiro-ministro, Boris Johnson, tentou evitar o isolamento, buscando inicialmente a estratégia de “imunidade de rebanho” – rapidamente abandonada pelo caminho. No México, Obrador publicou mensagens dizendo que o vírus não era grave.

As declarações encontraram eco em parcelas da população. “A desconfiança na elite política tradicional se espalhou para outros tipos de autoridades, incluindo especialistas”, diz Adina Trunk, do Instituto pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea), da Suécia. “Campanhas de desinformação, câmaras de eco e notícias manipuladas aumentaram ainda mais o ceticismo, criando versões confusas, divergentes e muitas vezes opostas da verdade, dificultando a distinção entre especialistas reais e autoproclamados.”

Esse embate extrapolou fronteiras e atingiu a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a União Europeia, que foram contestadas por suas ações durante a pandemia. “Os populistas não gostam de ser constrangidos por instituições internacionais e não acreditam no multilateralismo”, lembra Trunk.

Coautora de um artigo intitulado Traga de volta os especialistas – como a crise do coronavírus pode ajudar a conter o populismo, Trunk acredita que o embate será determinante para o futuro do populismo. O texto, também assinado por Simone Bunse, diz que até líderes que resistiam aos fatos recorreram aos experts, citando exemplos de Johnson e Trump, que adotaram medidas mais rígidas após a publicação de estudos do Imperial College de Londres.

Para o professor da Universidade da Georgia e autor do livro The Far Right Today, Cas Mudde, a prova de fogo para os populistas está no campo da imprensa. Ele cita o exemplo da Hungria, onde Orbán controla a mídia estatal e privada. “Em países assim, apenas as mídias sociais podem expressar críticas, mas elas atingem apenas uma pequena parte da população.”

Para Trunk, dependendo de como a crise for gerenciada, líderes eleitos podem não obter um novo mandato. Outros devem tentar culpar a China, a OMS e países vizinhos – para manter o poder. “O timing das eleições será importante: quanto mais recente e aguda a crise for sentida durante a eleição, mais difícil será se livrar da culpa.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.