“Mas você ganhou bolsa?”, costumam perguntar a Matheus quando ele conta a parentes e amigos que está estudando na Universidade de São Paulo (USP). Filho de mecânico e enfermeira, o jovem preto e pobre diz que até pouco tempo nem ele mesmo sabia o que era a USP. “As pessoas não têm noção de que é uma universidade pública”, diz Matheus Garbelim, de 22 anos, aprovado em janeiro para cursar Medicina.
Garbelim e outros 5.298 alunos ingressaram na USP em 2020 depois de estudarem em escolas públicas. Neste ano, o porcentual de novos alunos que vieram de colégios da rede pública chegou a 47,8% e a meta é alcançar 50% no ano que vem. A mudança de perfil já é sentida nos corredores da universidade, mas, se houve aumento de oportunidades, cresce também a demanda por apoio à permanência. No contexto de crise econômica e sanitária provocada pela pandemia, dificuldades de acesso aos estudos e pressão para trabalhar elevam o risco de evasão dos alunos e de aumento das desigualdades.
No caso de Garbelim, as dificuldades começaram cedo. Na escola, não havia estudo direcionado para o vestibular – palavra que, aliás, só começaria a ser pronunciada no 3º ano do ensino médio. “Às vezes nem aula tinha”, diz ele, que estudava na rede estadual em Campinas, no interior paulista.
Foi depois que a mãe morreu, vítima de um câncer, que o jovem começou a vislumbrar uma trajetória diferente. “Substituí a dor do luto pelo estudo, mas não tinha representatividade, alguém que já tivesse trilhado. Eu mesmo tive de abrir o caminho.”
Em meio a futuros médicos endinheirados, ele acredita que traz discussões – com base na própria experiência – que antes passariam em branco, como a demora para receber atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). “O ensino melhora e fica mais realista. Imagina discutir urbanização de São Paulo só com jovens que moram nos Jardins? Para a USP interessa que esses jovens talentosos e brilhantes possam ingressar”, diz o reitor Vahan Agopyan.
Em 2017, o Conselho Universitário aprovou a reserva de vagas para alunos de escolas públicas e autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPIs). Neste ano, a reserva em cada curso e turno deveria ser de 45%; no ingresso de 2021 e nos anos subsequentes, deverá atingir 50%. “Nosso maior objetivo não é o estudante entrar, mas ficar, se formar na USP”, diz Agopyan. Em 2020, 47,5% dos calouros tinham renda familiar bruta entre 1 e 5 salários mínimos e 52,5% tinham renda acima dos 5 salários mínimos.
Para Felipe Cavalcanti, de 19 anos, o auxílio de R$ 400 que recebe da USP é o que garante que possa se dedicar ao curso de Direito. Morador da periferia de São Paulo, ele entrou em uma das vagas para candidatos PPI depois de pagar o cursinho com o dinheiro que conseguia como jovem aprendiz. Nos primeiros dias de aula, sentiu o choque. “Um professor fez uma pergunta em latim e pensei: mas quem vai saber latim? Até que um colega levantou a mão e respondeu.” Na quarentena, Cavalcanti estuda por meio de um computador velho, com a tela quebrada, e torce para que a mãe, funcionária de um supermercado, não perca o emprego – o que o obrigaria a paralisar os estudos. Para garantir acesso às atividades online, a USP ofereceu modem e chips de celular, mas nem 5% dos alunos, segundo o reitor, solicitaram o apoio.
Vestibular
Agopyan não descarta haver no ano que vem maior distância entre aprovados oriundos de escolas públicas e os da rede privada. Alunos de baixa renda enfrentam dificuldades para acompanhar aulas a distância, enquanto colégios particulares rapidamente se adaptaram ao modelo online. Até agora, não há indicação de mudança no grau de dificuldade da prova da Fuvest por causa da pandemia.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.