Casos assintomáticos de covid-19: 44. O resultado poderia soar normal se o número viesse de uma cidade da Coreia do Sul, por exemplo, um dos países que mais realizam testes para diagnóstico da doença. Mas o dado é de Rio Casca, município brasileiro da Zona da Mata, em Minas Gerais, um dos Estados do País que menos fazem exames para identificação do novo coronavírus, e que tem como estratégia central na pandemia testar somente pacientes que apresentam sintomas que podem ser de covid-19, ou mortes suspeitas de terem ocorrido pela doença.
Mas o que indica o comportamento da prefeitura de Rio Casca, um pequeno município de aproximadamente 15 mil habitantes às margens da BR-262, a 200 quilômetros da capital? Resposta: uma total falta de entrosamento entre prefeitos e o governo estadual, o que pode explicar a profunda alteração no cenário da pandemia em Minas, que numa lufada passou de Estado considerado eficaz no combate ao vírus a suspeito de práticas que falham em evitar a propagação da doença.
O governo mineiro enfrenta até hoje surtos de covid-19 dentro da pandemia e registrou o primeiro caso de presidiário morto pela doença. Há ainda mais de duas mil mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) sem identificação do vírus causador dos óbitos.
O quadro em Minas piorou desde que o governo do Estado e prefeituras passaram a anunciar programas de retomada das atividades econômicas, estratégias também descoladas entre municípios e o Palácio Tiradentes. Pelo seu lado, o governo de Romeu Zema (Novo) criou o programa “Minas Consciente”, que estabelece critérios para o avanço na liberação de comércio e indústria. Dos 853 municípios do Estado, até o momento, apenas 155 aderiram ao programa. A maior, entre as que participam, Juiz de Fora, com 568 mil habitantes.
Os principais municípios do Estado, Belo Horizonte, Uberlândia, Contagem e Betim, não aderiram ao Minas Consciente, e adotaram medidas próprias de reabertura. Independente disso, fora ou dentro do programa, houve recuos ou paralisação nos movimentos de abertura depois do registro do aumento de casos após a liberação de setores da economia em cidades como a capital, Uberlândia e Betim.
Da parte do Estado, o mais recente recuo foi decidido na Quarta-feira passada, dia 24. O comitê covid-19 do governo determinou que municípios colocados na chamada onda amarela, a segunda etapa do programa, voltassem à onda branca, que é a primeira fase da estratégia, na macrorregião Leste do Sul, um total de sete municípios localizados na Zona da Mata. Na prática, voltam a ser proibidos o funcionamento de salões de beleza, papelarias e lojas de roupas.
Em Belo Horizonte, o processo de reabertura com medidas próprias teve início em 25 de maio, com previsão de possíveis retornos a serem anunciados semanalmente. Desde então, houve apenas mais uma liberação. Um novo posicionamento está previsto para esta sexta-feira, 26. Na cidade, o número de casos de covid-19, que era de 1.402, com 42 mortes, em 25 de maio, passou para 4.868 casos com 109 mortes, na Sexta-feira passada, 26.
Na segunda maior cidade do Estado, Uberlândia, que iniciou a reabertura ainda mais cedo, cerca de um mês antes, os números passaram de 86, com cinco mortes em 24 de abril, para 5.754 casos com 73 mortes na sexta-feira. A prefeitura da cidade, desde o início de junho, já anunciou dois recuos nos procedimentos de reabertura. Tanto na cidade como na capital foram registrados aumentos expressivos na taxa de ocupação de leitos de unidade de terapia intensiva.
Em Uberlândia, a situação é mais grave, conforme o boletim de quinta-feira, 24, dos 99 leitos de UTI da cidade, apenas três estavam disponíveis, perfazendo um total de 98% de ocupação. Na capital mineira, conforme dados também de quinta-feira, o total de ocupação de leitos de UTI era de 88%, mesmo com a entrada em operação de, pelo menos, parte de um total de 30 novos leitos anunciados no último dia 16 pela prefeitura para a rede de saúde da cidade. Em Juiz de Fora, esse índice de ocupação é de 87,58%.
Surtos e morte de detento
Em meio a recuo no retorno das atividades econômicas e aumento na ocupação de leitos de unidade de terapia intensiva em todo o Estado, cidades do interior registram, dentro da já difícil pandemia de covid-19, surtos da doença. Em Uberlândia, um frigorífico da BRF, há cerca de dez dias, apurou, após testagem em seus 1,8 mil funcionários, que 586, ou aproximadamente 30%, estavam com o novo coronavírus. Houve afastamentos. O temor é em relação à possibilidade de que os trabalhadores da fábrica contaminem familiares.
Também em Uberlândia, em mais um episódio de surto, 21 de um total de 72 idosos que vivem em instituições de longa permanência, testaram positivo para o novo coronavírus. A cidade tem 800 idosos vivendo nestas instituições. Todos foram testados. A prefeitura afirma acompanhar com atenção os impactos no município da evolução dos casos tanto no frigorífico como em relação aos idosos. Em todo o mundo foi registrada elevado índice de incidência do vírus em frigoríficos, o que ocorre por conta das câmaras frias necessárias para o funcionamento de empresas do setor. Em 22 de junho, segundo o secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, haviam 118 surtos de covid-19 em Minas.
O governo de Minas afirma estar trabalhando para aumentar o número de leitos para tratamento da covid-19 no Estado, mas tem discurso confuso em relação ao hospital de campanha montado no Expominas, na capital, com capacidade para 740 leitos. O secretário de Saúde afirma que o hospital pode ser aberto a qualquer momento, mas que, até agora, a decisão é por buscar abertura de leitos na rede convencional de saúde.
Porém, em sessão remota na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sobre a abertura do hospital, da qual participaram Amaral e o secretário de Planejamento e Gestão Otto Levy Reis, os representantes do Estado afirmaram aos deputados que ainda não foi contratada empresa para administrar o hospital. Aos parlamentares, o secretário Otto Levy afirmou, segundo informações da Assembleia Legislativa, que foi publicado no último dia 17 “edital para selecionar uma organização social com expertise para gerir o espaço”.
O prazo para recebimento das propostas é 2 de julho. Se tudo der certo, o governo espera homologar o resultado em 16 de julho, um dia depois, portanto da data prevista pelo governo para que seja atingido o pico da pandemia em Minas. Em nota divulgada na Quinta-feira passada, a Secretaria de Estado de Saúde afirmou que “o gerenciamento do Hospital de Campanha, instalado no Expominas, em Belo Horizonte, estará a cargo do Estado, até o fim da pandemia”.
Minas enfrenta quadro preocupante também no que se refere ao registro de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Suspeitas de subnotificação de registros de covid-19 têm relação com essa síndrome, que reúne todas as doenças que provocam, basicamente, falta de ar. Segundo o último relatório da Secretaria de Estado de Saúde do Estado, referente ao período até a semana epidemiológica 25, que vai de 14 a 20 de junho, de 20.103 hospitalizações por SRAG, do início do ano até a semana encerrada no dia 13, houve óbitos em 2.866.
Desse total, 755 foram identificados como vítimas de covid-19 e outros 31 como mortes decorrentes de outros vírus respiratórios identificados. O restante, 2.080, não teve identificação e, nesse grupo, portanto, podem estar incluídas mais vítimas de covid-19. A Secretaria de Estado de Saúde afirma em nota que “o porcentual de casos que não teve amostragem processada refere-se a situações em que os municípios não conseguiram realizar coleta de forma adequada ou em tempo hábil”.
Ainda segundo a secretaria, “em relação às amostras que chegam fora do padrão ou sem qualidade para serem testadas devemos, de fato, considerar que vários fatores influenciam o resultado do exame, como coleta inadequada, armazenamento e transporte da amostra até o laboratório central, tempo decorrido entre a coleta e o início dos sintomas, tipo de material biológico coletado e a oscilação da carga viral, ou seja, o paciente tinha pouca quantidade de vírus em seu organismo, por assim dizer. Todos esses fatores podem contribuir para a não especificação”.
Minas Gerais realiza hoje 166 testes para cada grupo de 100 mil pessoas, índice considerado extremamente baixo. A relação leva em consideração dados da Secretaria de Estado de Saúde. Segundo o médico infectologista Dirceu Greco, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a realização dos exames é fundamental para o estabelecimento de políticas públicas para o combate ao novo coronavírus. “Pode ser que no momento não exista testes em volume suficiente para aquisição, mas o ideal é que haja quantos forem necessários”, diz.
Todo o cenário da doença em Minas fez com que o governador Romeu Zema alterasse o discurso no decorrer da pandemia, sobretudo a partir do início de junho. No início da pandemia, Zema dizia que os números do Estado eram “satisfatórios”. Agora, depois dos recuos na reabertura do comércio, dos números de SRAG, do aumento nos casos de covid-19 e da ocupação de leitos de UTI, o governador passou a correr atrás do prejuízo. “Eu diria que ainda estamos nos 15 minutos iniciais do jogo”, afirmou.
Na quinta-feira, 25, ele colocou a polícia militar nas ruas para fiscalizar quem anda sem máscara pelas ruas. Não há, porém, aplicação de multa ou prisão para quem não usa a proteção. Ao longo da semana, afirmou por duas vezes que pelo menos parte do Estado pode ser colocado em “lockdown” por conta do aumento no número de casos de covid-19. Como exemplo, citou as regiões do Vale do Aço, onde fica Ipatinga, e do Triângulo Mineiro, onde está Uberlândia. Zema disse ainda ter faltado orientação nacional para o combate à doença. “O Ministério da Saúde fez algo, mas não algo que orientasse de forma incisiva estados e municípios”. Por isso, na avaliação do governador, nos últimos dias observamos situações “muito distintas”. “Talvez essa falta de orientação central pudesse ter evitado essa discrepância de ações”, avaliou.
Em meio a todo o cenário da doença em Minas, a Secretaria de Estado de Segurança Pública confirmou a morte de um detento do Presídio Inspetor José Martinho Drumond em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte por covid-19. É o primeiro falecimento de presidiário no Estado pela doença.