Líderes indígenas cobram respeito a direitos antes de cúpulas da ONU sobre meio ambiente
Por Anastasia Moloney
Os povos indígenas da floresta amazônica têm uma mensagem clara para os líderes mundiais no momento em que duas conferências globais sobre o meio ambiente estão prestes a acontecer: respeitem nossa terra e os direitos humanos para retardar as mudanças climáticas e proteger a biodiversidade.
“As pessoas que exploram e levam recursos não vivem (na Amazônia), mas nós vivemos. A floresta é nossa casa”, disse Nemonte Nenquimo, um líder nativo do povo waorani, do Equador.
“Se não protegermos a floresta, as mudanças climáticas vão piorar e doenças desconhecidas aparecerão”, disse ela à Thomson Reuters Foundation em uma videochamada de sua comunidade amazônica.
Cerca de 195 países devem finalizar um novo pacto para salvaguardar as plantas, os animais e os ecossistemas do planeta na cúpula das Nações Unidas sobre biodiversidade COP15, que ocorrerá em duas partes, começando esta semana com uma sessão virtual e terminando em maio de 2022 em Kunming, China.
O acordo se baseará na Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica de 1992, pensada para proteger o rico catálogo de espécies vegetais e animais do planeta, garantir o uso sustentável dos recursos naturais e consagrar os “direitos bioculturais” das comunidades indígenas.
Esses direitos são interpretados de forma diferente por cada grupo indígena, mas muitas vezes abrangem a propriedade intelectual, como conhecimentos e práticas ancestrais transmitidas entre gerações, que variam desde métodos agrícolas e de colheitas e plantas medicinais utilizadas em uma área até as artes e ofícios tradicionais.
As raras árvores quilaia nativas do Chile, por exemplo, há muito utilizadas pelo povo indígena mapuche para fazer sabão e remédios, forneceram ingredientes-chave para a primeira vacina contra a malária do mundo e uma bem-sucedida vacinação contra a herpes-zóster.
Uma minuta do novo pacto de biodiversidade proposto pela ONU inclui um objetivo de assegurar que os benefícios derivados do uso da riqueza local “sejam compartilhados justa e equitativamente”, e também o apoio à conservação e ao uso sustentável desses recursos.
A minuta ainda exige um aumento na parcela de benefícios financeiros e outros que os detentores do conhecimento tradicional recebem pelo uso mais amplo de seus conhecimentos e espécies locais.
Nesta segunda-feira, mais de 150 grupos da sociedade civil e indígenas, bem como acadêmicos, de mais de 50 países publicaram uma carta aberta convidando os líderes mundiais a colocar os direitos humanos no centro da política ambiental.
“Para serem verdadeiramente justas e sustentáveis, as políticas sobre clima e natureza devem levar em conta as necessidades e direitos das comunidades na linha de frente da crise”, disse Andrew Norton, diretor do International Institute for Environment and Development, com sede em Londres.
APROPRIAÇÃO CULTURAL?
A proteção da propriedade intelectual dos grupos indígenas hoje em dia varia de país para país.
Um estudo publicado este ano pela Fundación Nativo, uma organização sem fins lucrativos com base na Venezuela, concluiu que cinco nações latino-americanas (Brasil, Peru, Bolívia, México e Venezuela) agora reconhecem os direitos por leis e a Constituição.
“Negar a um povo seus direitos bioculturais é negar sua própria existência”, disse Sagrario Santorum, chefe de desenvolvimento da Fundación Nativo.
A pesquisa, apoiada pela Thomson Reuters Foundation, mostrou que a maioria das nações latino-americanas permite que as comunidades indígenas detenham direitos de propriedade intelectual e busquem compensação quando suas criações ou medicamentos são copiados sem permissão.
A apropriação cultural foi evidenciada em maio quando o México acusou diferentes marcas de moda, incluindo a Zara, de usar estampas dos grupos indígenas do país sem qualquer benefício para as comunidades. A Inditex, proprietária da Zara, negou qualquer ato ilícito.
“Na América Latina, a estrutura legal para proteger os direitos bioculturais existe. No entanto, há uma enorme lacuna na implementação e aplicação”, disse Patricia Quijano, advogada ambiental no Peru.
“No final das contas, os grupos indígenas muitas vezes não têm o poder de proteger e exercer esses direitos”, acrescentou ela.
O ativista indígena Nenquimo, no Equador, concorda.
“Há muitas leis que protegem os direitos indígenas no papel e soam bem, mas estão só no papel”, disse ela sobre a legislação do Equador.
PROTEÇÃO CONTRA MUDANÇA CLIMÁTICA
Uma melhor proteção dos direitos bioculturais pode ajudar os povos indígenas a administrar a terra e os recursos naturais de forma mais eficaz, de acordo com “sua profunda e única relação com o meio ambiente”, disse Quijano.
Isso também é importante porque proteger e restaurar as florestas tropicais nativas que absorvem carbono é uma maneira poderosa e barata de combater a mudança climática, segundo especialistas florestais e indígenas.
Um relatório deste ano da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostrou que a proteção dos direitos bioculturais das comunidades indígenas e habitantes da floresta, juntamente com a garantia de posse segura da terra, reduz o desmatamento e promove a gestão sustentável dos recursos naturais.
“A natureza tem maior biodiversidade onde os povos indígenas estão presentes. A terra é mais rica onde eles estão”, disse Santorum.
“Isso não é por acaso. É o produto de um modo de vida que é transmitido de geração em geração”, acrescentou.
A defesa dos direitos indígenas é considerada particularmente crucial para a conservação da Amazônia e os líderes indígenas esperam que a questão também ganhe maior atenção na conferência da ONU sobre mudanças climáticas COP26, na Escócia, no próximo mês.
No Brasil, que abriga a maior parte da floresta amazônica, o desmatamento está aumentando como resultado da expansão da pecuária e da produção de soja, juntamente com o corte ilegal de madeira.
(Os créditos da reportagem devem ser atribuídos à Thomson Reuters Foundation, braço filantrópico da Thomson Reuters, que cobre a vida de pessoas em todo o mundo que lutam para viver com liberdade e justiça. Visite http://news.trust.org)