A ameaça do Reino Unido de deixar a União Europeia sem um acordo, repetida diversas vezes nos últimos dias pelo premiê Boris Johnson, reavivou o desejo de unificação das Irlandas e pode prejudicar o acordo de paz que pôs fim a três décadas de conflito envolvendo os dois países, com pelo menos 3.600 mortos. As declarações também atiçaram o desejo de independência da Escócia.
Johnson esteve ontem na Irlanda do Norte, após visitar a Escócia e o País de Gales na segunda e na terça, com o objetivo de apresentar seus planos para o Brexit e tentar angariar apoio dos países para endurecer as negociações com a União Europeia. O premiê encontrou-se com os principais partidos da região para tratar do assunto.
A presidente do principal partido nacionalista irlandês, o Sinn Fein, fez um alerta ao premiê: convocará um referendo sobre a reunificação das duas Irlandas se o país deixar a União Europeia (UE) sem um acordo. “Pedimos que ele não se renda aos unionistas e não se transforme no mensageiro do DUP”, disse a presidente da legenda, Mary Lou McDonald, referindo-se aos integrantes do Partido Democrático Unionista, majoritário entre a comunidade protestante e partidário de um “Brexit duro”. O partido tem dez deputados no Parlamento de Londres, o que permite a Johnson e ao Partido Conservador governar sem necessidade de outros apoios.
Johnson, parlamentares eurocéticos e os unionistas irlandeses querem eliminar dos termos do acordo com a UE uma controvertida salvaguarda para evitar a reintrodução de uma “fronteira física” entra a Irlanda, membro da UE, e a província britânica da Irlanda do Norte. Para eles, o fim da salvaguarda, chamada de “backstop”, é necessária para o Brexit se consolidar e para o Reino Unido não perder a soberania sobre o território norte-irlandês.
Mas a construção de um eventual posto de fronteira seria contrário a um dos pontos-chave do acordo de paz de Sexta-Feira Santa, que pôs fim, em 1998, ao conflito histórico entre os católicos, republicanos e nacionalistas, e os favoráveis à união com o Reino Unido, chamados de unionistas, em sua maioria protestantes.
Embora os governos de Dublin e Bruxelas tenham reiterado que a cláusula irlandesa é “intocável”, Johnson quer suprimi-la e, se não conseguir, advertiu que tirará seu país do bloco europeu em 31 de outubro, com ou sem um acordo.
O chefe de governo da Irlanda, Leo Varadkar, disse que a questão da unificação da Irlanda e da Irlanda do Norte governada pelos britânicos inevitavelmente surgiria se o Reino Unido deixasse a União Europeia sem um acordo. “Elementos do nosso establishment político nos dizem que agora não é hora de discutir a unidade irlandesa. Eles estão errados. Agora é exatamente o momento certo para discuti-la”, disse ele. “O governo precisa começar a planejar a união.”
Os escoceses também avaliam um possível pedido de referendo para decidir sobre sua separação do Reino Unido. Enquanto Inglaterra e País de Gales votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia, mais de 60% da Escócia votou para ficar. Na capital, Edimburgo, três em cada quatro habitantes não querem deixar o bloco.
O governo comandado pelo Partido Nacional Escocês (SNP) prevê que o Brexit deixará os escoceses em média US$ 3.000 por ano mais pobres, acabará com 80 mil empregos e contaminará o ambiente de negócios por décadas. Por isso, o sentimento generalizado é o de que o Brexit pode terminar com uma união de mais de 300 anos. A líder do SNP, a primeira-ministra Nicola Sturgeon, descreve o plano do Brexit como “totalmente caótico”, e já afirmou que só vai esperar o desenrolar do processo para convocar o plebiscito.
Para Amanda Sloat, ex-funcionária do Departamento de Estado americano e especialista em Brexit na Brookings Institution, em Washington, a maneira como o processo do Brexit tem sido conduzido facilita a ascensão do discurso separatista. “Tanto norte-irlandeses quanto escoceses votaram para permanecer na União Europeia, e desde que o voto pela saída ganhou, sentem que é o momento de pleitearem a própria saída, por um desejo de se manterem ligados à Europa”, disse Sloat ao Estado. “No caso da Irlanda do Norte, no entanto, esse processo é perigoso, porque pode reavivar um sentimento ainda latente e recente de confronto e ódio entre os que defendem a permanência no Reino Unido e os nacionalistas que querem a unificação com a Irlanda.” (Com agências internacionais)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.