Quando finalmente reabrir ao público, em setembro de 2022, depois de mais de nove anos de portas fechadas, o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, em São Paulo, oferecerá uma experiência completamente diferente ao público. A julgar pelos trabalhos em andamento, um passeio pelo mais tradicional museu da cidade será uma viagem ao passado de forma imersiva, contemporânea e fluida.
O Estadão teve acesso ao conteúdo das 12 exposições que estão sendo montadas para a reinauguração do espaço – 11 delas de longa duração e uma mais pontual. Divididas em dois eixos, “para entender a sociedade” e “para entender o museu”, as exposições se baseiam no farto acervo da instituição com uma apresentação mais cativante e interessante. Para deixar tudo pronto em tempo, um esquadrão de pesquisadores está debruçado sobre essa enorme coleção – o Museu Paulista tem 30.942 objetos, 80 mil imagens, 700 metros lineares de acervo textual, 114.763 livros e fascículos de periódicos.
“Estamos terminando a seleção de acervos para cada uma das exposições, o que significa que terminamos as etapas de definição de conceitos, temas e núcleos expositivos, sendo a seleção dos acervos a última etapa desse trabalho”, afirma a historiadora Vânia Carneiro de Carvalho, coordenadora das Exposições do Novo Museu do Ipiranga 2022. “Com os acervos selecionados, será possível começar o projeto básico que já é um nível maior de detalhamento. No final de novembro, já teremos o projeto executivo, com todo o detalhamento e orçamentos necessários para começarmos a fase de produção física das exposições.”
No total, 25 profissionais da instituição, associados a dez pesquisadores acadêmicos com projetos relacionados aos temas, compõem a força-tarefa. E há ainda equipes contratadas: 20 assistentes de pesquisa, um gerente de produção e três empresas, de arquitetura, design e tecnologia, com 11 pessoas envolvidas. “Quando iniciarmos os trabalhos de produção e implantação das exposições, essas equipes serão ainda maiores”, aposta a historiadora.
Um exemplo de como esse processo vem ocorrendo é a preparação da mostra Casas e Coisas. Três pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP), financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), organizam uma sala sobre o espaço da cozinha para essa exposição. “É na interação dos objetos culinários com os sujeitos que mais estiveram associados a esse espaço – as mulheres – que buscamos apresentar ao público questionamentos não só sobre hábitos alimentares, mas também sobre a própria construção das identidades de gênero, das relações entre empregadas e donas de casa. De discursos identitários e mesmo da indústria de alimentos e eletrodomésticos que muitas vezes tomamos como verdades inquestionáveis”, diz a jornalista Viviane Soares Aguiar, doutoranda em História Social.
O contexto da pandemia exigiu uma adaptação da rotina – o acesso ao acervo tem sido remoto. “Nosso grupo de pesquisa já estava bastante ativo nos trabalhos que têm contribuído para a elaboração da sala, antes mesmo do surto da covid-19. Havíamos feito um extenso levantamento de fontes textuais e tridimensionais, consultado manuais de puericultura, cadernos de receita, prospectos e objetos de colecionadores e museus. Além disso, a professora Vânia (Carneiro de Carvalho) havia adquirido recentemente objetos para ajudar a compor o acervo preexistente”, explica a historiadora Maria Eugênia Ferreira Gomes. “Desde o início da quarentena, temos consultado a versão digitalizada dos documentos e o acervo online do museu.”
“É importante ressaltar o papel das pesquisas acadêmicas em um museu universitário, como é o caso do Museu Paulista”, acrescenta a historiadora Laura Stocco Felicio. “Projetos como os desenvolvidos para a exposição de reabertura colocam em prática as funções indissociáveis da universidade pública: ensino, pesquisa e extensão. Na medida em que alimentamos a produção científica, também contribuímos para a formação da sociedade e dos saberes a que ela terá acesso na visita aos museus.”
Temas
Institucionalmente, o Museu Paulista segue três linhas de pesquisa: História do Imaginário, Universo do Trabalho e História do Cotidiano.
“No interior dessas linhas, desenvolvem-se pesquisas sobre as representações ligadas à formação da nação – memórias da independência, narrativas e personagens envolvidos em versões da História do Brasil, disputas de territórios. Também sobre as formas de trabalho anônimo – ofícios urbanos, domésticos, trabalhos rurais, atividades de transporte fluvial, terrestre e aéreo – e processos de formação de identidades que ocorrem nos espaços domésticos”, pontua a historiadora.
No total, as 12 mostras exibirão ao público cerca de 4 mil itens, 90% deles do acervo do Museu Paulista – o restante deverá ser obtido via empréstimo de outras instituições e coleções particulares.
De acordo com o cronograma, as exposições de longa duração deverão ficar em cartaz de três a cinco anos. Já a temporária não deve ultrapassar quatro meses. A primeira delas será sobre as memórias da Independência, tema escolhido por estar, conforme ressalta Vânia, “diretamente relacionado ao ano de reabertura do museu e ao bicentenário da Independência”. “A exposição reúne uma grande quantidade de acervos relativos a diversas formas de rememorar a Independência, em diversos períodos da história do País”, comenta. “Por ela, o público poderá entender como processo de ruptura foi também disputado por projetos celebrativos e festividades que ocorreram em São Paulo, no Rio de Janeiro – a antiga capital – e também em Salvador, onde o processo de Independência foi concluído, em 1823.”
Sócia do escritório Metrópole Arquitetos, a arquiteta Ana Paula Pontes explica que a nova expografia deve ser uma “intervenção contemporânea em diálogo com a arquitetura eclética do edifício monumento, a principal peça do acervo do museu”. “Focamos em soluções de apresentação dos objetos não como tesouros valiosos, mas como testemunhos da cultura material da época em que foram produzidos, articulando-os aos conteúdos complementares interativos, a partir das leituras críticas da curadoria”, explica ela.
Telas
Um exemplo será a maneira como as telas devem ser mostradas ao público. “Estamos desenvolvendo uma solução de expor as pinturas não de modo usual, mas descolando-as das paredes, criando um estranhamento que pretende auxiliar a compreensão de que são objetos produzidos por artistas que interpretaram a seu modo um tempo passado, e não retratos fiéis de fatos históricos”, diz Pontes. “No centro das salas, haverá mesas com múltiplos recursos como textos, imagens, monitores audiovisuais e objetos táteis, que farão a mediação de modo interativo entre os conteúdos e o público diversificado, de crianças a pesquisadores, incluindo pessoas com deficiência.”
Uma equipe tem ouvido constantemente grupos sociais diversos para acompanhar o que o público pensa. “Esse processo é apenas o início de uma aproximação que pretendemos estabelecer”, conta a educadora Isabela Ribeiro de Arruda, supervisora do Serviço de Atividades Educativas da instituição. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.