Prólogo

O GPS indicava um trecho enorme sem que houvesse sequer um morador, uma empresa, um posto de combustível naquela rodovia que cortava o Deserto do Atacama. O tanque do carro estava cheio, com autonomia longa e ele esperava que tudo corresse bem. A noite caíra rapidamente e o calor escaldante do dia deu lugar a um frio de temperatura negativa. Tudo muito brusco. “Coisas do deserto”, pensou e acelerou o carro. Pelo teto de vidro do automóvel, ele via o céu estrelado. Não era ilusão de ótica, tinha certeza, uma estrela o seguia pela estrada desconhecida. Sentiu arrepios e não era de frio, pois o ar-condicionado estava regulado em uma temperatura muito agradável. De novo aquela sensação que, tempos atrás, indicou a maior de todas as perdas de sua vida. “Eu não estou louco. Aquela estrela está me seguindo”, refletiu. Diminuindo a velocidade e olhando para o teto transparente do carro com mais calma, imaginou que podia muito bem não se tratar de uma estrela, mas sim, de um avião, satélite ou coisa do gênero. “Aviões não pairam no espaço, seu idiota!”, viu-se repreendendo ao notar que aquele ponto de luz também havia diminuído a velocidade. Acelerou e a luz o acompanhou. Era muito para sua cabeça de homem prático e acostumado com a lógica imutável dos números, dos cálculos precisos, da solidez do dia a dia. Mas também a lógica já não fazia mais sentido em sua vida, há muito tempo…

1

 José Garcia, 44 anos, engenheiro civil, viúvo, quase vinte anos de emprego em uma cooperativa agroindustrial, morando na mesma casa há quase quinze anos. Isto era o que se podia ler no currículo profissional, nas informações comerciais, bancárias e afins, sobre aquele homem. Mas como ser humano, José Garcia carregava uma enorme carga de vivência, sensações, tristeza e dor.

Filho mais velho de um casal de professores, ainda garoto, José demonstrou interesse pelos cálculos, fugindo da vocação dos pais. Sua mãe era professora de história e seu pai, professor de filosofia.

“Eu vou estudar engenharia”, anunciou quando estava prestes e fazer o vestibular. Os pais sentiram certa decepção, pois gostariam muito que o garoto enveredasse pelo lado das “humanas”. Mas não houve meios de dissuadi-lo do que queria. Fez três vestibulares e passou nos três. Optou pela universidade mais próxima de sua cidade.

Já no segundo ano do curso, recebeu um convite para estagiar na área de construção civil daquela enorme cooperativa. Como a empresa ficava em uma colônia alemã, distante quinze quilômetros da universidade, morar perto do trabalho e ir de ônibus para as aulas foi sua melhor opção.

A um preço módico, passou a habitar uma casa da cooperativa. E, na medida em que o tempo passava, a confiança em seu trabalho crescia. Deixou de ser estagiário e foi contratado pouco tempo depois, bem antes da conclusão do curso universitário.

Assim que se formou, José passou a compor a equipe de engenheiros civis da cooperativa agroindustrial. Não parou de estudar. Fez mestrado e doutorado em sua área. O tempo foi passando e as cobranças dos parentes e amigos quanto a um casamento, não paravam. “Precisa arrumar uma namorada”, diziam uns. “Ninguém nasceu para ser sozinho, isso está na bíblia”, falavam outros. “Teus irmãos mais novos vão te passar a perna e, logo, logo, terei um neto”, brincava seu pai nas reuniões familiares.

José estava tranquilo em relação àquilo. “Um dia encontro alguém”, pensava e seguia com sua vida que praticamente se resumia em estudo, muita leitura e trabalho.

Mas como ocorre com todos, um dia a vida de José Garcia mudou por completo e seu coração bateu muito mais forte, ameaçando saltar do peito. Ele saía do trabalho em sua bicicleta, perto das cinco horas da tarde, quando a avistou.

Era nova na colônia alemã e, pelo que tudo indicava, era professora, pois acabava de sair de um colégio também mantido pela cooperativa.

“Oi!”, disse ela assim que o avistou.

Apertou os freios da bicicleta e respondeu ao cumprimento.

“Oi! Você é nova por aqui?”, indagou meio sem graça.

E a conversa fluiu dali em diante.

Chamava-se Tereza Almeida. Professora de história, como sua mãe. Fora contratada recentemente pelo colégio. Vinha do Sul e estava adorando o lugar.

“Eu sou amante do frio. Aqui, fiquei sabendo, até nevar, neva. Mal posso esperar pelo inverno. Em minha cidade faz muito frio e venta, mas não chega a nevar”, disse Tereza com alegria.

“Confesso que também gosto mais do frio do que do calor insuportável”, falou José, se dando conta de que nunca havia pensado sobre aquilo.

“Sabia que tenho um sonho: viajar pelo Deserto do Atacama e curtir os extremos da temperatura. À noite, um frio de zero grau, mas durante o dia, um calor que passa dos quarenta graus centígrados. Esses extremos me chamam atenção. Acho que alguma coisa me convida àquele lugar”, contou Tereza que parou em frente a uma casinha semelhante àquela que José morava quando ainda era estagiário da cooperativa e emendou. “Eu moro aqui. Quando quiser me visitar, será muito bem-vindo”.

Sentiu o rosto corar e, num gesto de cortesia e retribuição, a convidou a ir à sua casa também, que ficava a menos de um quilômetro adiante.

O beijo de despedida dos dois foi mais nos lábios do que no rosto e a ânsia pelo reencontro, começava ali.

Do dia seguinte em diante, aquele encontro virou namoro, que virou compromisso, que virou casamento.

Houve festa e muita comemoração. Tereza mudou-se para a casa de José e promoveu uma grande mudança em sua vida. A alegria invadiu a alma daquele homem, provocando espanto em muitas pessoas que o conheciam por ser uma pessoa reservada, muito quieta e até insensível.

Dois anos depois de casados, a bela notícia. Tereza estava grávida. José, assim que se recuperou do susto, sentiu-se em estado de graça. “Eu vou ser pai. Deus, como isso é bom”, pensou e deu uma grande festa em sua casa, convidando amigos do trabalho e familiares tanto seus, como de Tereza.

***

Os dois tinham o hábito de caminhar pelas estradas e ruas do lugar. Por trabalhar em turno, José nem sempre podia andar com Tereza e, quando os horários coincidiam, aproveitavam o longo tempo de exercícios para conversar e falar do futuro e do agora, do filho (ou filha) que chegaria, da felicidade que se descortinava para o jovem casal.

“Depois que o bebê nascer, você promete que vai me levar para aquela viagem dos meus sonhos no Deserto do Atacama?”, questionava Tereza.

“Claro, amor!”, respondia José, mas não passava muita convicção, ao que ela insistia.

“Você parece que não curte a ideia. Ah, mas eu quero isso. E se eu morrer, quero ser cremada e você vai jogar minhas cinzas lá também. Se possível, na região de Salar de Atacama. Já pensou minhas cinzas se juntando à areia, ao sal? Andei pesquisando e quero muito conhecer aquele lugar. Diga que sim?!”, inquiriu Tereza, parando no meio do caminho, puxando-o pela camiseta, beijando o marido num misto de ternura e malícia.

“Nem de brincadeira fale uma coisa dessas. Eu detesto que sequer cogite sobre a morte”, repreendeu José com os olhos ardendo e o coração palpitando.

***

O trabalho estava estafante naquele fim de tarde, mas José percebia que o incômodo ia muito além do cansaço. “Sinto como se algo fosse acontecer. Uma sensação horrível”, pensou, mas não disse nada para ninguém, pois todos ali estavam animados com o fim de semana e não era justo que dissesse sequer uma palavra negativa para atrapalhar os planos dos companheiros de serviço.

O telefone tocou em sua sala de trabalho. Uma ligação interna. Atendeu. Era da recepção. Precisavam de sua presença com urgência na portaria da empresa. Sentiu o corpo gelar. As sensações não mentiam. Algo horrível ocorrera. Tereza fora atropelada por um caminhão carregado com soja e morrera na hora.

2

Maria Rodríguez era pouco mais do que uma adolescente, mas conhecia de perto o verdadeiro inferno. Nascida em uma cidadezinha da Argentina, quase na fronteira com o Chile, a garota não conhecera seu pai. A mãe estava bêbada em uma festa rural e, ao acordar, estava em um estábulo, suja, fedendo a urina e com Maria no ventre.

Expulsa de casa pelo pai provinciano, a mulher foi morar nos arredores da vila e viu na prostituição o único meio de sobrevivência.

Assim que a criança nasceu, deu-lhe o nome de Maria, segundo a mãe, “por ser o mais comum”, já que aquela criatura não era nada comum em sua vida.

Depois de um programa, o cliente, um velho comerciante do lugar, separado da mulher, convidou a mãe de Maria para morar com ele.

“Leve também tua menina. Onde come uma, comem duas”, disse o caudilho com um risinho de escárnio.

Maria tinha cinco anos e acompanhou a genitora naquela nova fase de sua vida. Em princípio tudo parecia muito bem, pois sua mãe nutria verdearia devoção pelo velho. Ela lavava até os pés daquele homem e aquela atitude provocava nojo em Maria. “Eu vou crescer e sumir daqui”, pensava e se dedicava cada vez mais aos estudos. Estudando, segundo imaginava, as possibilidades de uma vida melhor se ampliariam em sua vida.

Mas o inferno verdadeiro começou quando a garota tinha pouco mais de nove anos. O velho passou a abusar sexualmente dela.

“Se contar para tua mãe, eu mato aquela bruxa na tua frente. Aí sim, eu fico contigo só para mim”, dizia o escroto à guisa de ameaça.

Maria tornou-se uma menina muito triste e não via a hora de completar dezoito anos para desaparecer daquele lugar e levar sua mãe junto, não sem antes, contar tudo a ela sobre os abusos, sobre aquela forma brutal de escravidão à qual as duas eram submetidas.

Pouco antes da data que julgava o dia de sua libertação, a menina teve a confirmação de que estava grávida. Sem medir consequências, ela contou tudo à mãe que se voltou contra ela.

“Vá para o inferno. Eu sempre soube e não vou trocar meu marido, um homem que me faz feliz por uma vagabunda como você. Homens são assim, têm seus direitos. Isso está na bíblia”, revoltou-se a mãe.

Expulsa de casa, Maria parou com os estudos e procurou emprego em um restaurante de parada de caminhoneiros. Escondia a gravidez e procurava falar o mínimo possível sobre sua vida.

Os enjoos começaram e ela não pôde mais disfarçar sua situação. Sentir aquele cheiro de fritura o dia inteiro, além de náuseas, lhe provocavam muitas tonturas. Ela desmaiou certa vez e a supervisora, uma mulher grandalhona, notou sua barriga crescida.

“Eu vou tentar te ajudar, mas se o gerente notar isso, você está na rua e possivelmente, eu também, se souber que fiz vistas grossas”, disse a mulher.

Maria passou a tomar mais cuidado, vestindo roupas cada vez mais largas para ocultar seu estado.

“Engraçado, essas meninas entram aqui magrinhas e engordam como umas vacas. Deve ser a comida que roubam na cozinha, pois vejo que mastigam o tempo inteiro”, dizia o gerente bigodudo com aquele palito nojento no canto da boca.

***

Houve um dia em que Maria não conseguiu mais camuflar seu estado. Ela carregava uma bandeja enorme com lanches e o botão do vestido estourou. O gerente estava do lado e viu sua barriga de grávida. Na mesma hora, mandou Maria embora.

Sem emprego, e sem poder pagar a pensão onde morava, ela perambulou pelos arredores por vários dias e decidiu que era hora de ir embora daquela cidade, daquele País. Em suas contas, a criança só nasceria dali a um mês e meio, mas estava enganada.

Cheio de más intensões, um motorista de carreta prometeu carona à moça até uma cidadezinha chilena, no meio do deserto.

“Lá, você poderá ter o bebê sem gastar nada. O governo chileno cuida das pessoas”, disse o caminhoneiro que era natural daquele País.

Inocente, Maria embarcou no caminhão carregado de peças de indústria petrolífera e a viagem começou.

Vários quilômetros à frente, no meio do nada, o homem parou a carreta e exigiu que Maria fizesse sexo com ele. Ela recusou e tentou argumentar, dizendo que não estava em condições devido ao seu estado. Em princípio, ele pareceu concordar, deu partida no caminhão e seguiu. Maria passou a rezar temendo nova investida. Ela estava muito arrependida de ter saído de sua cidade, mas não havia o que fazer. Agora, era ir em frente…

A noite caiu e ela sentiu um aperto no peito. A criança tremia em seu ventre e o caminhoneiro parecia longe, ouvindo aquela música alta, recheada de palavrões.

Parou o caminhão e desceu. Abriu a outra porta e exigiu que Maria descesse.

“Quero você bem agora. Não recuse porque vai ser pior. Tenho desejos por grávidas”, disse o caminhoneiro se babando como um porco e a agarrou.

Naquele instante, a bolsa estourou e as mãos do homem, que estavam entre as pernas da moça, ficaram molhadas.

Tomado de ódio, ele a empurrou e, ainda por cima, deu-lhe um forte chute na coxa direita jogando-a na beira da estrada. Entrou no caminhão e se foi xingado.

E tudo se apagou na mente de Maria. Ela se viu mergulhada em um espaço muito branco. Não havia dor, nem apreensão, tampouco medo. Sentia-se como se alguém lhe arrancasse o restinho de forças que tinha. A gravidez já não mais lhe pesava no corpo e era como se ela tivesse asas e voasse pelo espaço aberto. Maria viu-se tocando as estrelas de um céu gelado e desconhecido. Aos poucos, até aquela sensação foi diminuindo. Maria teve o que muitos, grosso modo, chamam de “apagão”.

3

Aquela estrela insistia em perseguir José. Incomodado, o engenheiro decidiu que pararia no primeiro estabelecimento que encontrasse. “Eu paro, durmo nem que seja no carro e amanhã parto bem cedo. Quero me livrar de tudo isso o mais rápido possível”, pensou e pareceu sentir a presença de Tereza ali, dentro do carro.

No porta-malas, jaziam em uma urna pequena, as cinzas de sua mulher e do filho que ele jamais chegara a conhecer. A situação era um dos maiores fardos na vida daquele homem que insistia em desviar os pensamentos, ligando o piloto automático de sua existência, deixando que as coisas ocorressem alheias à sua vontade, à sua intervenção.

E a estrela continuava a sinalizar seu percurso. Agora ela ia no céu, um pouco adiante do carro, como uma seta luminosa a indicar o caminho. Era como se com um cabo de aço invisível, a estrela o rebocasse pela estrada. O cansaço era muito grande e José preferiu não olhar mais pelo teto transparente do automóvel e, simplesmente ir.

Aquele ponto de luz não desistiu do engenheiro e agora, como um minúsculo sol, pairava em sua frente emitindo um grande feixe de claridade. “Eu só posso estar louco. Deve ser o estresse, essa carga que estou arrastando”, pensou.

Mas quando aquela luz caiu bem ao lado da estrada, não foi possível para José ficar indiferente e ignorar os sinais. Assustado, meteu o pé no freio, jogou o carro para a direita e parou no acostamento de brita daquela interminável estrada no meio do deserto. O feixe de luz desapareceu. Ele olhou para o céu, mas a estrela que o perseguia, e que o levara até ali, não estava mais lá.

Ouviu gemidos. Levou o maior susto. Andou um pouco mais e viu que algo se mexia. Retornou ao carro, pegou o aparelho de celular, ligou a pequena luz e voltou a iluminar a beira da estrada.

***

Ela estava banhada em sangue e água. Sem saber o que fazer, José tentou pensar em algo prático e rápido, mas não conseguia chegar a nenhuma conclusão. Voltou ao carro, abriu o porta-malas, a fim de pegar a caixa de ferramentas, pois sabia que dentro dela, havia uma lanterna potente.

Depois de muito tatear, finalmente encontrou o que precisava. Acendeu a lanterna e retornou. A mulher, uma menina ainda, estava deitada de lado e gemia em agonia.

Não se reconhecendo, José deixou a lanterna no chão, pegou a moça no colo e voltou ao carro. Abriu a porta de trás, acomodou-a no banco traseiro e, agora com as luzes interna e externa do carro acesas, pôde analisar melhor a situação.

“Ela está em trabalho de parto! Tenho que fazer alguma coisa. Não sei como, mas preciso de ajuda, Deus!”, suplicou tendo a certeza de que ninguém lhe ouviria.

De relance, ele viu a estrela passar rapidamente pelo céu, desta vez deixando um rastro de luz cintilante, como se abrisse uma estrada no firmamento.

E o caminho era ele resolver aquela situação, mesmo sem nenhum conhecimento de obstetrícia, saúde ou coisa do gênero.

“Como é teu nome, menina? Por favor, diga teu nome?”, perguntava José tocando com força o rosto da parturiente.

Ela tinha espasmos e seu corpo inteiro se contraía em uma tensão que passava a ideia de que seus tendões iam se partir. Em um dos minúsculos intervalos, ela balbuciou alguma coisa que ele não entendeu.

Novos movimentos e, sem cerimônia, ele afastou as pernas da moça e, em meio a sangue e água, viu a cabeça de um bebê apontar. Arrancou as roupas íntimas que impediam a passagem daquela nova vida e o milagre aconteceu.

“Maria”, ela balbuciava enquanto o bebê, já fora do ventre, chorava a plenos pulmões, dando vida e calor àquele deserto gelado àquela hora da noite.

Instintivamente, José deixou a criança entre as pernas da mãe, sobre o banco do carro e correu ao porta-malas. Abriu uma mochila, a mesma onde estava a urna com as cinzas de Tereza e de seu feto, pegou uma pequena tesoura que deixava sempre ali, caso precisasse cortar alguma coisa, apanhou também uma sacolinha plástica com suas toalhas e, como um raio, retornou ao trabalho. O bebê se movimentava, mas não chorava agora. Sem técnica nenhuma, mediu três dedos no cordão umbilical, a partir do abdômen do recém-nascido, rasgou um pedaço da sacola, fazendo um amarrilho com o plástico, atou o cordão umbilical e cortou.

“Obrigada”, disse a mulher e José, só então, se deu conta do sotaque espanhol dela. Ela havia voltado e ele também recobrara sua consciência.

Envolveu a criança nas toalhas e, com calma, levou o bebê até os braços da mulher que estava deitada de costas sobre o banco do carro. Por instinto, a criança agarrou-se aos seios, mamando pela primeira vez.

***

José não conteve as lágrimas. Foi até o porta-malas de novo, na intenção de fechar e partir dali o quanto antes, para procurar um recurso para Maria. A mochila estava na beirada, como ele havia deixado. Estabanado, bateu na bolsa, sem lembrar que a urna com as cinzas estava ali. O recipiente de porcelana caiu, partindo-se. As cinzas se espalharam pelo deserto, para desespero de José que iluminou o chão com a lanterna. Minúsculas estrelas surgidas das cinzas, cintilaram na noite e subiram. Aquela estrela maior que antes o perseguia, agora dançava no espaço, como em saudação.

José passou a mão pelo rosto por várias vezes para se certificar de que não estava sonhando. Não estava. Aquilo era real. Fechou o porta-malas e entrou no carro, sentindo o frio congelar o suor do desespero que banhava suas roupas. A mulher agora sorria. Ele não acreditava naquilo. Apesar de toda a situação e da quase morte na beira da rodovia, Maria sorria. O bebê, que há pouco estava em seu ventre, continuava a mamar. Ligou o motor e acionou o ar quente do automóvel.

“Vou tirar vocês daqui agora mesmo”, disse mais para si do que para a moça.

“Emanuel! Ele vai se chamar Emanuel”, disse Maria sorrindo agora muito mais do que antes.

“Lindo nome, Emanuel. Lindo mesmo. Me passa segurança, esperança. Me passa amor e de amor, todos nós estamos necessitados”, disse José e arrancou lentamente com o carro rumo a uma cidade onde Maria e seu filho pudessem ficar em segurança.

Jossan Karsten