A explosão de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, usado em bombas e fertilizantes, armazenadas em um hangar no porto de Beirute, levou os libaneses a se perguntarem o que uma carga altamente inflamável fazia ali.
Segundo a rede televisão árabe Al Jazeera, a análise de registros e documentos públicos mostra que altos funcionários libaneses sabiam há mais de seis anos que o nitrato de amônio estava armazenado no Hangar 12 do porto de Beirute. E que eles estariam cientes dos perigos que isso representava.
A carga de nitrato de amônio chegou ao Líbano, em setembro de 2013, a bordo de um navio de carga de propriedade russa com uma bandeira da Moldávia. O Rhosus, de acordo com informações do site de rastreamento de navios, Fleetmon, estava indo da Geórgia para Moçambique, afirma a reportagem da Al Jazeera.
O navio foi forçado a atracar em Beirute depois de enfrentar problemas técnicos no mar, segundo advogados representando a tripulação do barco. Mas as autoridades libanesas impediram a embarcação de navegar e o navio foi abandonado por seus proprietários e tripulação – informações parcialmente corroboradas pela Fleetmon.
A carga perigosa do navio foi descarregada e colocada no Hangar 12 do porto de Beirute, uma grande estrutura cinza de frente para a principal rodovia norte-sul do país, na entrada principal da capital.
Meses depois, em 27 de junho de 2014, o então diretor da Alfândega Libanesa Shafik Merhi enviou uma carta endereçada a um “juiz de assuntos urgentes”, pedindo uma solução para a carga, segundo documentos compartilhados online e divulgados pela Al Jazeera.
Os funcionários aduaneiros enviaram pelo menos mais cinco cartas nos três anos seguintes – em 5 de dezembro de 2014, 6 de maio de 2015, 20 de maio de 2016, 13 de outubro de 2016 e 27 de outubro de 2017 – pedindo orientação. Eles propuseram três opções: exportar o nitrato de amônio, entregá-lo ao exército libanês ou vendê-lo à uma empresa libanesa de explosivos de propriedade privada.
Uma carta enviada em 2016 diz que “os juízes não responderam” a pedidos anteriores.
A carta, obtida pela Al Jazeera, alega: “Em vista do sério risco de manter esses produtos no hangar em condições climáticas inadequadas, reafirmamos nosso pedido de solicitar à agência marítima que reexporte esses produtos imediatamente para preservar a segurança do porto e daqueles que trabalham aqui, ou em concordar em vendê-lo para a Lebanese Explosives Company.”
Mais uma vez, não houve resposta. Um ano depois, Badri Daher, o novo diretor da Administração Aduaneira do Líbano, escreveu a um juiz mais uma vez.
Na carta de 27 de outubro de 2017, Daher pediu ao juiz que tomasse uma decisão sobre o assunto em vista do “perigo … de deixar esses produtos no local em que estão e para aqueles que trabalham lá”.
Quase três anos depois, o nitrato de amônio ainda estava no hangar. O primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, declarou na terça-feira, 4, a explosão no porto como “um grande desastre nacional” e prometeu que “todos os responsáveis por essa catástrofe pagarão o preço”.
O presidente libanês Michel Aoun chamou o fracasso em lidar com o nitrato de amônio como “inaceitável” e prometeu a “punição mais severa” aos responsáveis. Uma investigação foi iniciada e o comitê deve encaminhar suas conclusões ao judiciário dentro de cinco dias.
A causa da explosão ainda não está clara, mas muitos libaneses foram rápidos em apontar o que eles acreditam ser a causa principal: a imensa corrupção e má administração em um estado quebrado administrado por uma classe política corrupta que, segundo eles, trata os habitantes do país com desprezo.
O porto da cidade é conhecido localmente como “Caverna de Ali Baba e os 40 Ladrões”, pela grande quantidade de fundos estatais que foram roubados por décadas.
As alegações incluem desvios de bilhões de dólares em receita tributária que nunca chegaram ao tesouro do Líbano e devido a esquemas para subestimar as importações, bem como acusações de suborno sistemático e generalizado para evitar o pagamento de impostos alfandegários.
“Beirute se foi e aqueles que governaram o país nas últimas décadas não podem se safar disso”, disse Rima Majed, ativista política e socióloga libanesa em um tweet. “Eles são criminosos e este é provavelmente o maior de seus (muitos) crimes até agora”.