Daphne Halikiopoulou pesquisa temas como nacionalismo radical, políticas de exclusão e determinantes culturais e econômicos do apoio a partidos de extrema direita na Europa. Em abril, ela escreveu um artigo sobre como a pandemia expôs as fraquezas do populismo, mas também alimentou o autoritarismo.
Veja a seguir a entrevista que ela concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo.
Por que líderes populistas têm enfrentado especialistas?
É uma estratégia consciente. Não acho que eles acreditem que vão perder eleitorado. Acho que a outra opção – eles dizerem que acreditam nos especialistas – destruiria tudo o que disseram antes. E eles também não podem competir com os experts. Vão perder. Então a única alternativa é contestá-los e vencer na base da narrativa emocional. Quando a crise passar, as pessoas estarão mais preocupadas com as consequências econômicas. Então, a narrativa anticiência deve se tornar mais forte.
A crítica às respostas das organizações internacionais faz parte da estratégia populista?
Sim. É importante distinguir entre a extrema direita e o populismo. Isso faz parte da agenda do populismo de extrema direita. Uma coisa que foi benéfica a eles foi se voltar à questão das fronteiras. O fechamento e a ideia de soberania estão muito alinhadas com a extrema direita. Desacreditar qualquer instituição internacional, como fizeram com a UE, é muito útil a essa narrativa.
Esses embates entre populistas e especialistas pode ter consequências para a democracia?
Sim. Se você tem um governo que desafia a ciência, isso diz muito sobre o sistema, em primeiro lugar. Mas não sei se há consequências para a democracia ou se expõe fraquezas da democracia que já existem. Depende muito de contextos específicos, de como as instituições funcionam. Mas, ao mesmo tempo, vemos democracias mais frágeis se saindo bem na crise, e outros com democracias fortes, como o Reino Unido, passando por problemas. Isso é interessante.
É possível que uma mesma crise fortaleça alguns populistas e derrube outros?
É uma boa questão. É provável. Isso vai depender de uma série de fatores estruturais que vão permitir que as pessoas facilitem ou não esse poder. Se você olhar casos como a Europa Oriental, estamos falando de um autoritarismo atenuado. Sob circunstâncias como essa, onde as instituições são frágeis, os líderes têm mais chances de usar a crise para consolidar o poder. Eu não ficaria surpresa se víssemos alguns desses autoritarismos se tornarem mais permanentes. De onde venho, há um ditado que diz: “Não há nada mais permanente que o temporário”.
A proximidade das eleições pode ter algum efeito no julgamento de líderes populistas?
Afetará, mas há um longo caminho pela frente e os eleitores são imprevisíveis. Um partido ganha votos de grupos muito diferentes. Se só um segmento da população está protestando, por exemplo, não significa que o líder será derrotado.
Países comandados por diferentes tipos de líderes podem enfrentar diferentes consequências da crise?
Essa crise expôs dois imperativos em colisão: um é a capacidade de resguardar a saúde da população e outro é proteger a prosperidade econômica. Infelizmente, quanto mais tempo você permanece no lockdown, mais resguarda a sua saúde, e não a economia. O desenlace, contabilizando derrotas e vitórias, é o que determinará se as pessoas punirão ou não seus comandantes.
O populismo pode dar lugar ao autoritarismo após a crise?
A crise mostra que “populismo” não é a palavra certa. Não é que o líder muda de populista para autoritário – ele sempre foi autoritário. O que a crise tem feito é permitir que líderes acumulem poder, e justifiquem esse acúmulo. Há um modo de ditar como as pessoas devem viver suas vidas, quem pode entrar ou sair do país. Não porque eu sou um ditador, mas porque preciso enfrentar a crise. Isso não é novo. Com frequência, líderes tentam consolidar o poder usando uma crise.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.