Com a adesão de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, o Gab, uma rede social de extrema direita conhecida por não se opor a publicações com teorias conspiratórias, desinformação e discursos de ódio, afirma que seu crescimento explodiu nas últimas semanas, na esteira dos protestos contra o governo e do cerco das grandes plataformas da internet a conteúdos racistas e violentos.

Um comunicado enviado pela empresa a usuários cadastrados, no início deste mês, fez um aceno aos críticos dos movimentos que foram às ruas após a morte de George Floyd, segurança negro assassinado após abordagem policial, em Minnesota (EUA), e zombou do que chamou de “religião” de empresas como Facebook e Twitter.

“Nas últimas semanas, Gab experimentou o maior aumento de crescimento em quase quatro anos de história. À medida que as gigantes de tecnologia continuam a sinalizar apoio aos manifestantes e proíbem qualquer um que se atreva a discordar de sua religião de wokeness (expressão relacionada à preocupação com injustiças sociais e racismo), as pessoas estão ficando cansadas e saindo das plataformas do Vale do Silício em busca de comunidades que compartilham seus valores”, afirmou o comunicado.

Desde que foi criada, no período das eleições americanas de 2016, a rede social acumula críticas por servir, quase sem filtros, como repositório a discursos antissemitas e racistas. Tornou-se um fórum popular entre os chamados “supremacistas brancos”, simpatizantes de ideias nazistas e demais radicais de extrema direita dos Estados Unidos que eram banidos das maiores plataformas.
O homem que cometeu um atentado contra uma sinagoga, em Pittsburgh, em outubro de 2018, era um ativo usuário do Gab e usava sua conta para disseminar mensagens como “judeus são filhos do satã” e compartilhar memes de cunho racista com textos que mencionavam judeus como “inimigos dos brancos”.

Apesar de os números atuais não serem revelados, a comunidade brasileira exerceu papel importante para consolidar a rede social. Em 2018, os brasileiros eram 22,7% dos 635 mil usuários registrados, segundo informações prestadas pela empresa à agência americana equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A participação colocou o Brasil em segundo entre os maiores mercados do Gab, à frente de Canadá, Inglaterra e Alemanha.

Em 2019, eram 900 mil usuários, ao todo. Conforme o relatório anual apresentado pela empresa em 29 de maio, atualmente 1,175 milhão de pessoas têm perfis na plataforma, que mistura características do Twitter e do Facebook. Há um limite de caracteres a cada publicação, os usuários se organizam por hashtags, é possível seguir perfis e interagir com os posts.

A preferência da extrema direita pela plataforma não se dá por acaso. Por trás do Gab está Andrew Torba, um empresário conservador crítico do que considera “viés ideológico” das empresas de tecnologia e alguém que classifica as fake news como liberdade de expressão. “A liberdade de expressão significa que você pode ofender, criticar e fazer memes sobre qualquer raça, religião, etnia ou orientação sexual. Estou doente e cansado dos padrões de discurso aceitável e classes protegidas, tanto à esquerda quanto à direita”, escreveu Torba, na rede social que criou.

O movimento que passou a levar brasileiros ao Gab, em 2018, foi influenciado por críticas que Facebook e Twitter também sofriam à época por restringir publicações. Além disso, campanhas de desinformação que alertavam para uma falsa cobrança de mensalidade nas redes mais populares funcionaram como incentivos, relatam pesquisadores.

Houve, ainda, propagandas veladas no Twitter. O emoji que representa um sapo foi apropriado por grupos de extrema-direita e passou a ser usado no microblog. Uma ilustração do animal era usada como marca do Gab. A inspiração vem de Pepe The Frog, um desenho animado com cabeça de sapo e corpo humanoide. O personagem foi listado como símbolo de ódio por organizações judaicas.

O presidente Jair Bolsonaro e os filhos não têm perfis oficiais no Gab, mas brasileiros se organizam em grupos de apoiadores que replicam ataques feitos por bolsonaristas em outros meios. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso são alvos frequentes, assim como ex-aliados, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Inspirado pelos protestos nos Estados Unidos, um perfil identificado como “STFDefendeBandido17” publicou mensagem que chama os negros de preguiçosos porque “botaram os brancos para protestar para eles”.

O grupo Direita Brasil é um dos mais movimentados por assuntos de política brasileira no Gab, com 10,2 mil integrantes. Embora os números sejam módicos, se comparados com o alcance de Facebook, Twitter e Instagram, pesquisadores salientam que esses sites não podem ser analisados de maneira dissociada. “Temos a mania de encarar as plataformas como universos distintos, mas são todas um mesmo ecossistema. Quem vê um meme no Instagram manda pelo WhatsApp ou compartilha em outra rede. O conteúdo vai quicando. Ainda que o número de usuários de 4Chan e Gab, por exemplo, seja restrito, a estratégia é de escoamento. Uma parte vai atingindo plataformas maiores, e a gente não sabe quanto”, afirmou Caio Vieira Machado, pesquisador do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut).

Ideal

Para o coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio, Ivar Hartmann, os métodos das grandes redes sociais para controlar conteúdos têm problemas, o que dá margem para o surgimento de plataformas que apostam na ideia de liberdade irrestrita. “Hoje, a maior parte da comunicação e da manifestação política se dá em plataformas privadas. E as empresas decidiram tomar decisões sobre o que, como e quando censurar. Não está claro que elas tenham legitimidade para isso.

No Brasil, certamente não, porque a Constituição Federal diz que liberdade de expressão é direito fundamental”, avaliou. “Facebook e Twitter tomam decisões sobre quando censurar e, talvez, não devessem ter todo esse poder. Se têm, temos que repensar o nível de transparência sobre o exercício desse poder.”

Para Hartmann, o relativo sucesso de redes sociais como o Gab, com inclinação à direita, se dá pela conjuntura política atual. Caso o cenário fosse outro, uma plataforma com o mesmo perfil, mas à esquerda, poderia despontar. “Uma parte do impulso do apelo de uma rede social como o Gab é se identificar com essa reivindicação de que empresas privadas não podem ser as donas da liberdade de expressão das pessoas. Essa reivindicação não é só da extrema direita ou da direita. Qualquer pessoa na esquerda ou na extrema-esquerda também não quer que empresas privadas possam definir o que pode e não pode ser dito. Nesse momento, em função da conjuntura atual, são os grupos de direita que estão mais cientes e escaldados com a atuação das redes sociais privadas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.