No dia 8 deste mês o escultor mineiro Amilcar de Castro (1920-2002) teria completado 100 anos. Um século do principal escultor contemporâneo brasileiro, título dividido com o colega carioca Sérgio Camargo (1930-1990), merece uma grande retrospectiva, mas, em tempos de pandemia, a logística para montar uma mostra de grandes proporções é complexa demais.

Assim, o Instituto Amilcar de Castro, com sede em Nova Lima, perto de Belo Horizonte, onde funcionava o ateliê do artista, decidiu organizar uma exposição mais modesta em conjunto com a Dan Galeria, que tem a representação exclusiva do escultor em São Paulo. A mostra será aberta no dia 1º de julho com mais de 30 trabalhos de Amilcar, entre esculturas (de ferro, madeira, mármore e vidro), desenhos e pinturas de grandes dimensões.

Na galeria, que vai funcionar em horário especial, a partir das 11h, por três horas diárias apenas e número limitado de visitantes, estarão 14 esculturas de pequeno e médio porte (as seis grandes poderão ser vistas virtualmente), 16 telas, desenhos e gravuras. Algumas dessas obras são inéditas e integram o acervo do instituto que leva o nome do artista, coleção com mais de três centenas de obras deixadas por Amilcar, segundo o filho Rodrigo de Castro, diretor da entidade, mantida com recursos privados – a instituição gasta R$ 350 mil por ano em sua manutenção, não recebendo ajuda governamental.

“Isso tem dificultado a preservação do acervo, pois mantemos uma equipe de profissionais qualificados e equipamentos especiais que garantem a integridade dos trabalhos, especialmente os desenhos, gravuras e óleos”, observa Rodrigo. Com obras presentes em importantes coleções nacionais (Itaú, Pinacoteca) e internacionais (Patricia Cisneros), além da presença em países como Alemanha e Japão, Amilcar de Castro é um nome ainda exclusivo por causa da alta cotação de seus trabalhos (uma escultura sua pode ultrapassar R$ 1 milhão e o preço de uma tela oscila entre R$ 250 mil e R$ 450 mil).

O galerista Peter Cohn, empenhado em ampliar o time de escultores da galeria (ele representa, entre outros, o inglês Tony Cragg) para a futura inauguração de sua nova sede, firmou há um ano um contrato com o Instituto Amilcar de Castro, que deverá colocar a obra do artista num patamar ainda mais elevado. O filho do escultor, Rodrigo Castro, já planeja um novo livro para registrar as obras inéditas, algumas de grande formato (há uma tela com mais de 5 metros de largura, que poderá ser vista na mostra). “Ele deixou muitos esboços de grandes esculturas”, revela Rodrigo, lembrando que há pelo menos duas de dimensões gigantescas em espaços públicos de São Paulo (uma na Sé e outra na avenida Paulista).

O que fez de Amilcar um exemplo singular de precisão e economia formal foi sua relação ética com o mundo que o cercava. Suas esculturas dialogam com o ambiente onde são instaladas porque o escultor, claramente ligado à vertente construtivista, considerava que a obra deveria também incorporar a passagem do tempo como elemento constituinte – daí que a ferrugem na superfície do ferro é um testemunho histórico da ação na natureza, além de um registro social da vida em Minas Gerais, identificada com a extração do minério de ferro.

Isso, naturalmente, não significou uma limitação regionalista para Amilcar. Lembro de uma conversa com o escultor Richard Serra, na sede do Instituto Moreira Salles, no Rio, que tem uma escultura de Amilcar no Jardim, em que o escultor destacou o espírito cosmopolita do artista mineiro – e há, de fato, uma estreita relação do norte-americano com a obra do brasileiro. Sempre aberto ao diálogo, o próprio Amilcar foi marcado por escultores de tendência construtiva, como o basco Jorge Oteiza (1908-2003), para ficar num único nome.

O que o diferencia dos demais colegas não é apenas a superfície oxidada, ferruginosa, de suas esculturas, que traduz a “verdade do material, mandamento tão caro aos artistas neoconcretos. É sua austeridade: não há o mínimo vestígio de excessos em sua escultura, marcada pela intervenção parcimoniosa do artista, que encarava o ferro como uma folha de papel cortada e dobrada para incorporar o vazio por onde penetra a luz (nos dois sentidos, o físico e o metafísico). Não existe possibilidade de decomposição modular dessas figuras geométricas. Elas são íntegras, indivisíveis. O corte em Amilcar é seco, seguindo um traço irreversível, como só um aluno de Guignard poderia executar (o pintor obrigava seus alunos a usar lápis duro, resistente a correções).

“Parece comum confundir um desenho autônomo de Amilcar com um esboço para uma escultura, mas, quando vemos o segundo, identificamos imediatamente a diferença, pois este não tem simulação, fica visível a intenção do escultor”, diz seu filho Rodrigo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.